segunda-feira, 15 de junho de 2009

A política externa de Obama em perspectiva: nova estratégia para o Paquistão e Afeganistão

por Diogo Ramos Coelho

A guerra do ocidente no Afeganistão, iniciada em 2001, não poderá ser vencida se lutada apenas dentro das fronteiras desse país. Essa constatação é amplamente acatada e culminou, no dia 27 de março de 2009, com o anúncio do governo Obama da estratégia conhecida como AfPak (Afeganistão e Paquistão).

A Guerra contra o Terror empreendida por George W. Bush em terras afegãs forçou a retirada de diversos grupos fundamentalistas – principalmente membros da rede Al Qaeda e do Talibã – para as regiões tribais montanhosas na fronteira paquistanesa, onde puderam reconstituir-se e dar retorno a suas atividades. Essas áreas consistem de sete partes chamas “agências”: Bajaur, Mohmand, Khyber, Orakzai, Kurram e o Waziristan do Norte e do Sul.[1] Islamabad possui historicamente baixo controle sobre essas regiões. Por serem “semi-autônomas”, ofereceram refúgio às milícias afegãs e paquistanesas.  O quadro de insegurança é ainda agravado pela instabilidade política, pela fragilidade das instituições e pelas profundas divisões étnicas que marcam os dois países.

O Paquistão é um Estado de governabilidade fragmentada. Desde a independência em 1947, o regime político no país alternou-se entre governos democráticos instáveis e governos militares. Os militantes islâmicos também são agentes poderosos, posicionando-se algumas vezes ao lado do governo central – como no caso dos jihadis recrutados e treinados para lutar nas guerras da Caxemira e no Afeganistão – e outras contra o governo – como os militantes que lutam hoje contra as forças de segurança paquistanesa. Já o governo afegão de Hamid Karzai, apesar de desfrutar da ajuda, financiamento e treinamento dos militares americanos, ainda não desenvolveu capacidade de garantir o controle de diversas regiões do país.

Nos últimos dois anos, o já instável ambiente de segurança no Afeganistão e no Paquistão tornou-se ainda pior. O aumento do número de milícias ligadas à Al-Qaeda, ao Talibã de Mullah Omar ou Baitullah Mehsud, assim como o aumento de narcotraficantes, de extremistas sectários, entre outros, foram fatores de forte desestabilização das regiões sul e leste do Afeganistão e do Paquistão Ocidental.[2] Ao mesmo tempo, grupos como os extremistas anti-indianos Punjabi e warlords (“senhores de guerra”) da Ásia Central intensificaram suas ações em outras regiões dos dois países. Esse cenário de insegurança é agravado principalmente pelo fato do Estado paquistanês ser um Estado nuclear. As armas nucleares foram desenvolvidas como mecanismos de containment ao avanço nuclear indiano. Hoje, a possibilidade dessas armas caírem nas mãos de militantes e serem usadas contra países no ocidente ou contra o próprio Estado paquistanês configura como imenso – e intolerável – risco.

Instituições frágeis, lideranças fracas e recursos inadequados limitam a capacidade de Cabul e Islamabad combaterem a militância violenta a longo prazo. Nesse sentido, a cooperação americana com os dois governos é vital: seja para a garantir segurança dos EUA, mudar os rumos no combate ao terrorismo ou assegurar a estabilidade na região. De acordo com a Casa Branca, o objetivo fundamental da nova política americana no Paquistão e no Afeganistão é combater os militantes que oferecem “safe havens” para fundamentalistas e construir estruturas de segurança que aumentem a eficácia das ações locais antiterroristas e contra os insurgentes. A injeção de recursos dos EUA serviria para desestabilizar o Talibã e membros da Al Qaeda e, assim, oferecer espaço para a ação dos governos em Islamabad e Cabul.

Os dois principais elementos do AfPak, portanto, são: 1) a abordagem regional: o presidente americano irá tratar o Afeganistão e Paquistão como dos países, mas como único desafio. A ênfase maior será no Paquistão: aumento da presença militar americana, auxílio econômico e no treinamento e capacitação das forças de segurança locais. A estratégia também envolve contato com outros atores e países na região, entre os quais destacam-se Índia, Rússia e China; e 2) a expansão dos recursos no combate ao terrorismo: a estratégia foca não apenas o combate militar e as capacidades de defesa, mas também inclui investimentos financeiros nas economias paquistanesa e afegã, recursos diplomáticos, incentivos ao desenvolvimento e construção de mecanismos eficazes de governança e fortalecimento institucional.

As principais mudanças com o AfPak não são somente no campo estratégico. Há mudanças na percepção americana em relação ao combate à violência fragmentada. O poder militar, apesar de importante, possui cada vez menos peso, seja no combate às milícias imersas entre a população civil, seja como fator de estabilização dos laços de interdependência entre os países afetados pelo terrorismo. Desestabilizar os terroristas requer o envolvimento de governos, organizações e instituições – regionais e locais – os quais possam oferecer respostas aos desafios da instabilidade política e econômica. A retórica de promoção da democracia do governo Bush cede lugar à necessidade de fornecer assistência e ajuda financeira para fortalecer a governabilidade em países caracterizados por Estados falidos.

A complexidade dos objetivos da estratégia pode ser sua maior falha. Construir governos moderados, estáveis e eficientes em Islamabad e Cabul, além de combater tensões regionais de longas datas, são causas admiráveis, mas que requerem investimentos a longo prazo – e é possível que os únicos resultados obtidos com esses investimentos sejam dividendos altos e precários. Resolver problemas históricos como o sectarismo, instabilidade política, fragmentação da violência e divisões étnicas requer a mobilização de diversos recursos, mudanças no jogo de interesses na região e reformas institucionais – além de outros fatores que transcendem a simples vontade de um governo. Ainda, os EUA, efetivamente, possuem baixo interesse na região – e mesmo um Paquistão e um Afeganistão estáveis e viáveis economicamente permaneceriam pobres e com baixa relevância para as considerações militares ou econômicas de Washington. Nesse sentido, pode-se argumentar que a estratégia anunciada pela administração de Obama é demasiadamente onerosa e abrangente para combater uma ameaça estritamente definida: a Al Qaeda e o Talibã. O foco da parceria dos EUA com o Afeganistão e o Paquistão (assim com outros atores na região), portanto, deveria voltar-se e intensificar-se nos grupos terroristas, na ajuda às forças de inteligência capazes de detectar e combater esses grupos, e não em aspirações gerais de restabelecimento da ordem e da estabilidade nos dois países.

Por outro lado, restringir o foco da estratégia de Washington representaria uma falsa economia de recursos, enquanto criaria maiores ameaças aos interesses de segurança americanos. O cerne do problema é o Paquistão, onde menos recursos foram gastos (se comparado ao Afeganistão pós-11 de setembro), onde a presença americana é menor, onde a atual conjuntura converge para o aumento do fundamentalismo e onde a confiança em Washington é extremamente debilitada. Se as tendências de “talibanização” das regiões semi-autônomas paquistanesas persistirem e avançarem, a próxima geração de terroristas irá nascer e ser treinada em um Paquistão frágil, dividido, violento e nuclear. O fortalecimento das instituições paquistanesas se mostra extremamente necessário como meio para assegurar a cooperação bilateral e no combate aos militantes extremistas a longo prazo.

Erradicar totalmente o terrorismo passa, cada vez mais, a ser entendido como uma meta irreal e ilusória. Cabe tentar erradicar as causas que fortalecem a militância violenta. Além do confronto armado, o combate à violência fragmentada passa pelo combate aos fatores estruturais que permitem o fortalecimento dos grupos extremistas. Hoje, o Paquistão é o local cuja conjuntura fornece os principais incentivos para a propagação do terrorismo. E é um Estado nuclear. Retrair a expansão dos recursos de assistência às instituições no país, enquanto Islamabad e Washington permanecem aliados, seria um erro estratégico. A principal transformação na estratégia do governo Obama deveria ser sair do AfPak para um PakAf.



[1] Council on Foreign Relations. Disponível em: http://www.cfr.org/publication/11973/. Acesso em: 04 de junho de 2009.

[2] MARKEY, Daniel. From AfPak to PakAf: A Response to the New U.S. Strategy for South Asia. Council on Foreign Relations. Fevereiro, 2009.

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