Lula se vuelca en ayudas para reforestar la selva, El Pais, 20/06/09.
Colômbia
El pulso de Uribe con la justicia estanca el referéndum por su reelección, El Pais, 20/06/09.
por Diogo Ramos Coelho
A guerra do ocidente no Afeganistão, iniciada em 2001, não poderá ser vencida se lutada apenas dentro das fronteiras desse país. Essa constatação é amplamente acatada e culminou, no dia 27 de março de 2009, com o anúncio do governo Obama da estratégia conhecida como AfPak (Afeganistão e Paquistão).
A Guerra contra o Terror empreendida por George W. Bush em terras afegãs forçou a retirada de diversos grupos fundamentalistas – principalmente membros da rede Al Qaeda e do Talibã – para as regiões tribais montanhosas na fronteira paquistanesa, onde puderam reconstituir-se e dar retorno a suas atividades. Essas áreas consistem de sete partes chamas “agências”: Bajaur, Mohmand, Khyber, Orakzai, Kurram e o Waziristan do Norte e do Sul.[1] Islamabad possui historicamente baixo controle sobre essas regiões. Por serem “semi-autônomas”, ofereceram refúgio às milícias afegãs e paquistanesas. O quadro de insegurança é ainda agravado pela instabilidade política, pela fragilidade das instituições e pelas profundas divisões étnicas que marcam os dois países.
O Paquistão é um Estado de governabilidade fragmentada. Desde a independência em 1947, o regime político no país alternou-se entre governos democráticos instáveis e governos militares. Os militantes islâmicos também são agentes poderosos, posicionando-se algumas vezes ao lado do governo central – como no caso dos jihadis recrutados e treinados para lutar nas guerras da Caxemira e no Afeganistão – e outras contra o governo – como os militantes que lutam hoje contra as forças de segurança paquistanesa. Já o governo afegão de Hamid Karzai, apesar de desfrutar da ajuda, financiamento e treinamento dos militares americanos, ainda não desenvolveu capacidade de garantir o controle de diversas regiões do país.
Nos últimos dois anos, o já instável ambiente de segurança no Afeganistão e no Paquistão tornou-se ainda pior. O aumento do número de milícias ligadas à Al-Qaeda, ao Talibã de Mullah Omar ou Baitullah Mehsud, assim como o aumento de narcotraficantes, de extremistas sectários, entre outros, foram fatores de forte desestabilização das regiões sul e leste do Afeganistão e do Paquistão Ocidental.[2] Ao mesmo tempo, grupos como os extremistas anti-indianos Punjabi e warlords (“senhores de guerra”) da Ásia Central intensificaram suas ações em outras regiões dos dois países. Esse cenário de insegurança é agravado principalmente pelo fato do Estado paquistanês ser um Estado nuclear. As armas nucleares foram desenvolvidas como mecanismos de containment ao avanço nuclear indiano. Hoje, a possibilidade dessas armas caírem nas mãos de militantes e serem usadas contra países no ocidente ou contra o próprio Estado paquistanês configura como imenso – e intolerável – risco.
Instituições frágeis, lideranças fracas e recursos inadequados limitam a capacidade de Cabul e Islamabad combaterem a militância violenta a longo prazo. Nesse sentido, a cooperação americana com os dois governos é vital: seja para a garantir segurança dos EUA, mudar os rumos no combate ao terrorismo ou assegurar a estabilidade na região. De acordo com a Casa Branca, o objetivo fundamental da nova política americana no Paquistão e no Afeganistão é combater os militantes que oferecem “safe havens” para fundamentalistas e construir estruturas de segurança que aumentem a eficácia das ações locais antiterroristas e contra os insurgentes. A injeção de recursos dos EUA serviria para desestabilizar o Talibã e membros da Al Qaeda e, assim, oferecer espaço para a ação dos governos em Islamabad e Cabul.
Os dois principais elementos do AfPak, portanto, são: 1) a abordagem regional: o presidente americano irá tratar o Afeganistão e Paquistão como dos países, mas como único desafio. A ênfase maior será no Paquistão: aumento da presença militar americana, auxílio econômico e no treinamento e capacitação das forças de segurança locais. A estratégia também envolve contato com outros atores e países na região, entre os quais destacam-se Índia, Rússia e China; e 2) a expansão dos recursos no combate ao terrorismo: a estratégia foca não apenas o combate militar e as capacidades de defesa, mas também inclui investimentos financeiros nas economias paquistanesa e afegã, recursos diplomáticos, incentivos ao desenvolvimento e construção de mecanismos eficazes de governança e fortalecimento institucional.
As principais mudanças com o AfPak não são somente no campo estratégico. Há mudanças na percepção americana em relação ao combate à violência fragmentada. O poder militar, apesar de importante, possui cada vez menos peso, seja no combate às milícias imersas entre a população civil, seja como fator de estabilização dos laços de interdependência entre os países afetados pelo terrorismo. Desestabilizar os terroristas requer o envolvimento de governos, organizações e instituições – regionais e locais – os quais possam oferecer respostas aos desafios da instabilidade política e econômica. A retórica de promoção da democracia do governo Bush cede lugar à necessidade de fornecer assistência e ajuda financeira para fortalecer a governabilidade em países caracterizados por Estados falidos.
A complexidade dos objetivos da estratégia pode ser sua maior falha. Construir governos moderados, estáveis e eficientes em Islamabad e Cabul, além de combater tensões regionais de longas datas, são causas admiráveis, mas que requerem investimentos a longo prazo – e é possível que os únicos resultados obtidos com esses investimentos sejam dividendos altos e precários. Resolver problemas históricos como o sectarismo, instabilidade política, fragmentação da violência e divisões étnicas requer a mobilização de diversos recursos, mudanças no jogo de interesses na região e reformas institucionais – além de outros fatores que transcendem a simples vontade de um governo. Ainda, os EUA, efetivamente, possuem baixo interesse na região – e mesmo um Paquistão e um Afeganistão estáveis e viáveis economicamente permaneceriam pobres e com baixa relevância para as considerações militares ou econômicas de Washington. Nesse sentido, pode-se argumentar que a estratégia anunciada pela administração de Obama é demasiadamente onerosa e abrangente para combater uma ameaça estritamente definida: a Al Qaeda e o Talibã. O foco da parceria dos EUA com o Afeganistão e o Paquistão (assim com outros atores na região), portanto, deveria voltar-se e intensificar-se nos grupos terroristas, na ajuda às forças de inteligência capazes de detectar e combater esses grupos, e não em aspirações gerais de restabelecimento da ordem e da estabilidade nos dois países.
Por outro lado, restringir o foco da estratégia de Washington representaria uma falsa economia de recursos, enquanto criaria maiores ameaças aos interesses de segurança americanos. O cerne do problema é o Paquistão, onde menos recursos foram gastos (se comparado ao Afeganistão pós-11 de setembro), onde a presença americana é menor, onde a atual conjuntura converge para o aumento do fundamentalismo e onde a confiança em Washington é extremamente debilitada. Se as tendências de “talibanização” das regiões semi-autônomas paquistanesas persistirem e avançarem, a próxima geração de terroristas irá nascer e ser treinada em um Paquistão frágil, dividido, violento e nuclear. O fortalecimento das instituições paquistanesas se mostra extremamente necessário como meio para assegurar a cooperação bilateral e no combate aos militantes extremistas a longo prazo.
Erradicar totalmente o terrorismo passa, cada vez mais, a ser entendido como uma meta irreal e ilusória. Cabe tentar erradicar as causas que fortalecem a militância violenta. Além do confronto armado, o combate à violência fragmentada passa pelo combate aos fatores estruturais que permitem o fortalecimento dos grupos extremistas. Hoje, o Paquistão é o local cuja conjuntura fornece os principais incentivos para a propagação do terrorismo. E é um Estado nuclear. Retrair a expansão dos recursos de assistência às instituições no país, enquanto Islamabad e Washington permanecem aliados, seria um erro estratégico. A principal transformação na estratégia do governo Obama deveria ser sair do AfPak para um PakAf.
[1] Council on Foreign Relations. Disponível em: http://www.cfr.org/publication/11973/. Acesso em: 04 de junho de 2009.
[2] MARKEY, Daniel. From AfPak to PakAf: A Response to the New U.S. Strategy for South Asia. Council on Foreign Relations. Fevereiro, 2009.
A política de defesa e de segurança de um país está enquadrada em um campo estratégico de combate a ameaças existenciais (ameaças, por exemplo, à existência de um Estado, aos princípios constitutivos de um sistema político, à estabilidade econômica ou aos recursos naturais de sustento de uma sociedade). Essas políticas de defesa e segurança requerem a utilização de medidas e poderes excepcionais, com o objetivo de eliminar as ameaças que enfrentam. Nesse sentido, no dia 18 de setembro de 2001, uma resolução do Congresso americano autorizou o Presidente Bush a utilizar “todas as forças necessárias e apropriadas” para combater os países, as organizações ou as pessoas, por ele designadas, que promovessem atividades terroristas.
Desde o fim da Guerra Fria, o sistema político americano tem oscilado no apoio ao direito internacional e às instituições internacionais como instrumentos capazes de promover a segurança do país. Os EUA se estabeleceram, no século XX, como o principal guardião da ordem no sistema internacional; entretanto, em diversas ocasiões, negou-se a respeitar essas regras. Depois do 11 de setembro, as estratégias de combate ao terrorismo do governo Bush envolveram alto grau de “autonomia” dos EUA perante as prescrições do direito internacional. As ações unilaterais no Iraque, Abu Ghraib, tortura e a retórica da promoção da democracia com a Guerra do Iraque acabaram por comprometer a credibilidade americana no mundo.
Hoje, as principais ameaças à segurança global – a proliferação de armas nucleares, a mudança climática, o terrorismo, os conflitos, a pobreza, as epidemias e a instabilidade econômica – não são constrangidas por fronteiras nacionais. As respostas a essas ameaças demandam maiores níveis de cooperação e mecanismos de governança global. Nesse contexto, os EUA desempenham papel de destaque: nenhum outro Estado possui a capacidade diplomática, política e econômica necessária para renovar a cooperação entre as principais potências do mundo. Porém, para liderar, os EUA precisam primeiro renovar seu comprometimento com a ordem internacional.
Desde que iniciou as operações em 2001, imagens de tortura, denúncias de maus tratos e incertezas jurídicas tornaram a prisão militar da Baia de Guantánamo, em Cuba, símbolo da falta de comprometimento dos EUA com o sistema de direito internacional. Em quase oito anos de existência, aproximadamente 800 indivíduos – designados, ou tratados como, combatentes inimigos pelo Departamento de Defesa americano – estiveram detidos na base militar. O governo federal transferiu mais de 500 desses indivíduos para seus países de origem, ou para outro país, ou simplesmente os colocou em liberdade. Atualmente, a prisão detém cerca de 240 pessoas suspeitas de vínculos com o terrorismo.
No dia 22 de Janeiro de 2009, Obama divulgou uma ordem executiva determinando o fechamento da prisão militar em Guantánamo. No documento, o presidente afirma que:
“In view of the significant concerns raised by these detentions, both within the United States and internationally, prompt and appropriate disposition of the individuals currently detained at Guantánamo and closure of the facilities in which they are detained would further the national security and foreign policy interests of the United States and the interests of justice.”
O fechamento da prisão, a proibição do uso da tortura, a revisão da política de interrogatório e a reafirmação do respeito às Convenções de Genebra e à Convenção Contra a Tortura podem ser interpretados como sinais do governo Obama para novo engajamento dos EUA com o sistema de ordem internacional. Há a percepção de que a segurança nacional tornou-se interdependente com a segurança global. A globalização criou laços de interdependência que não favorecem o militarismo ou ações unilaterais. Para combater ameaças globais, deve-se articular respostas também globais. É nesse sentido que o fechamento de Guantánamo e a proibição do uso da tortura convergem com os interesses de segurança americanos: a restauração da confiança no papel dos EUA como principal articulador de ações coletivas.
No campo do discurso, as intenções do governo americano apontam no caminho correto. Entretanto, ao discutir política, cabe sempre lembrar: uma decisão tomada não é necessariamente uma ação cumprida. Transformar o discurso em realidade é algo complicado – e que demanda múltiplos esforços. Nesse sentido, em relação a Guantánamo, a administração de Obama encontra dificuldades em traçar um plano sobre o destino dos detentos remanescentes na prisão militar. Os esforços para transferir aqueles que são considerados menos perigosos para outros países – onde não representem uma ameaça à segurança e onde também não sofram abusos – esbarra na falta de governos dispostos a colaborar. Ainda, é incerto como se dará o processo de julgamento contra aqueles evidentemente envolvidos com práticas terroristas. Essas incertezas culminaram com a não-aprovação no Congresso americano, no dia 20 de maio de 2009, dos fundos pedidos pelo executivo para por em prática o processo de fechamento da prisão. Faltavam detalhes, alegou-se.
O argumento moral para o fechamento de Guantánamo e para a proibição do uso da tortura permanece inatacável. Mais que isso: alia-se pragmaticamente à restauração do papel dos EUA como o principal articulador de políticas cooperativas. No entanto, uma esperança vaga e virtuosa do novo compromisso dos EUA com a ordem internacional pode soar um pouco vazia diante dos limites impostos pela realidade política – e diante da constatação de que as medidas adotadas pelo governo Bush nos tempos do 11 de setembro pareciam justificáveis, tanto para os democratas quanto para os republicanos.