segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Estratégia Sul-americana de Combate às Drogas? A liderança brasileira no subcontinente em debate

Por José Joaquim G. da Costa Filho

No dia 13 de novembro de 2008, foi assinado entre o ministro de Justiça brasileiro, Tarso Genro, e o ministro do governo boliviano, Alfredo Rada, um acordo lançando uma estratégia regional de combate às drogas. O acordo prevê ações conjuntas de polícias, localização e destruição de laboratórios e pistas de pouso clandestinas, suporte das Forças Armadas e troca de informações sobre o tráfico. No entanto, o ponto do acordo que mais se destaca é a tolerância em relação ao plantio para consumo tradicional das populações andinas. Ou seja, o objetivo será controlar a expansão das lavouras e não a erradicação total das plantações.
Além disso, este acordo ganha grande importância quando contextualizado no quadro geral de combate às drogas na América do Sul. Recentemente, o governo boliviano expulsou do país tanto o embaixador americano em La Paz, Philip Golgberg, como a agência americana de combate às drogas, DEA (Drug Enforcement Administration), acusando-os de conspirarem contra a atual administração do país.
Dessa forma, esta parceria entre Bolívia e Brasil no combate às drogas pode ser analisada como o preenchimento do vácuo de poder deixado pela retirada da influência americana na questão. Ao contrário da posição americana de tolerância zero em relação a qualquer tipo de plantação de coca, o Brasil aceita o lema de Evo Morales, “cocaína zero, mas não coca zero”. Vale ainda ressaltar que o acordo prevê ainda a participação da Argentina, Peru e Chile e, conseqüentemente, a conformação de uma estratégia sul-americana de combate às drogas.
Tendo como base este fato, esta breve análise de política externa tentará avaliar concomitantemente dois objetos de estudo: a possibilidade de sucesso deste acordo e a posição de liderança brasileira no continente sul-americano. Para isto, primeiramente, serão abordados o substrato ideacional e valorativo da política externa brasileira do Governo Lula, assim como suas direções, prioridades e objetivos. Em seguida, serão analisados os condicionantes externos e domésticos em relação aos dois objetos de estudo. Por fim, serão feitas as cabíveis conclusões e traçado um cenário futuro provável. Os níveis de análise utilizados serão o sistêmico e o nacional.

Substrato ideacional e valorativo da política externa do Governo Lula

A eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, representou, nas questões de política externa, uma quebra substancial - mas não ruptura - com a ação externa empreendida pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Este último baseava-se, segundo Amado Luiz Cervo, em três tendências de fundo: o neoliberalismo subserviente e destrutivo em relação ao patrimônio da nação, a promoção do desenvolvimento associado às forças do capitalismo e a competição internacional perante a égide do livre mercado.
Com o apoio da opinião pública, Lula estava convencido de que era preciso proceder com uma mudança dos modelos de desenvolvimento econômico e social e de inserção internacional. A concretização do objetivo de autonomia pela integração de FHC parecia estar permeada pela ingenuidade e pela escassez de resultados efetivos – por exemplo, a ratificação do Tratado de Não-Proliferação Nuclear.
Sendo assim, segundo Amado Luiz Cervo, que faz um completo resumo do substrato ideacional e valorativo orientador da política externa do atual governo na passagem abaixo, Lula procurou e conseguiu tanto resgatar elementos esquecidos pelo ex-presidente Fernando Henrique quanto fortalecer os princípios históricos básicos da atuação internacional brasileira:

“a ação externa de Lula, enfim, pôs em jogo o acumulado histórico da diplomacia brasileira, composto de princípios e padrões de conduta que reforçam o poder nacional e a capacidade de negociação internacional. Três padrões de conduta foram sacrificados pela fase anterior: a independência de inserção internacional, o realismo evoluído para pragmatismo e o desenvolvimento nacional como vetor da política externa. Lula os recuperou, em certa medida, reforçando ainda os demais componentes do acumulado: autodeterminação e não-intervenção, com solução pacífica de controvérsias, juridicismo, cordialidade oficial no trato com a vizinhança, parcerias estratégicas como eixos privilegiados de ação externa e multilateralismo”.

Em relação às direções/prioridades de política externa do governo Lula, pode-se apontar três principais. Em relação ao campo multilateral, o país abandonou a ilusão Kantiana do ordenamento harmonioso e passou a adotar uma posição mais pragmática, pro ativa e, às vezes, contestadora. Em segundo lugar, Lula buscou superar a situação de vulnerabilidade deixada por FHC, conformada, principalmente, por três mecanismos: dependência tecnológica, empresarial e financeira.
Por fim, a terceira direção/prioridade de atuação do governo Lula é a América do Sul. Embora já fosse prioridade para FHC, a ênfase no subcontinente foi redobrada. Há um projeto de construção de uma unidade política, econômica e de segurança na América do Sul que possui apoio do Ministério das Relações Exteriores e da Assessoria Especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República.
Tendo em vista o breve panorama acerca dos traços gerais da política externa do Governo Lula, pode-se perceber que a integração sul-americana é uma prioridade para o Brasil atualmente e que este também pretende assumir um papel de liderança na região. No entanto, mantendo seus princípios históricos de inserção internacional e relacionamento com os vizinhos, não objetiva alcançar uma posição hegemônica. Ao contrário, busca respeitar as particularidades de cada povo. È neste contexto que se encaixa o acordo de combate às drogas assinado entre Brasil e Bolívia.

Condicionantes externos

No entanto para entender mais profundamente a possibilidade de sucesso deste acordo e a posição da liderança brasileira na América do Sul, é preciso, além de observar os contornos gerais da política externa brasileira, interpretar alguns condicionantes externos e domésticos relacionados com os objetos de estudo.
O primeiro destes condicionantes externos é a discretíssima importância da América do Sul para a política externa americana. A política do governo Bush deu prioridade à guerra ao terror, ao Oriente Médio e às invasões do Iraque e Afeganistão, colocando em segundo plano sua atuação no continente americano. Além disso, a eleição de Barack Obama para presidência dos Estados Unidos não parece apontar nenhuma mudança substancial em relação ao nível de prioridade dado ao relacionamento deste país com a América do Sul.
Coaduna-se a este contexto, o fato de não haver nenhum governo na região que seja aliado direto dos Estados Unidos. A única exceção é o governo de Álvaro Uribe na Colômbia. Os demais variam de uma posição de busca de uma agenda afirmativa – por exemplo, o Brasil – até uma posição de aberta confrontação, pelo menos na retórica, com os Estados Unidos – por exemplo, Venezuela e Bolívia.
Estes dois condicionantes resultam numa visível deterioração da histórica liderança americana na região. Isto proporciona um vácuo de poder para que o Brasil possa exercer sua tendência natural de líder na América do Sul. È neste contexto que se insere o acordo entre Brasil e Bolívia para o combate às drogas. No entanto, há alguns outros condicionantes externos que dificultam a consolidação desta aspiração brasileira.
O primeiro deles é a dependência econômica e financeira da maioria dos países da região em relação aos Estados Unidos. A Venezuela é um grande exemplo desta condicionante, pois, embora mantenha uma forte retórica de contestação da hegemonia americana, tem no mercado americano o maior consumidor de suas exportações, baseadas, principalmente, no petróleo. A Bolívia também pode ser citada como exemplo. Ao mesmo tempo que apresenta-se hostil à ajuda americana para o combate às drogas, depende de programas tarifários especiais para a entrada da maioria de seus produtos nos Estados Unidos, um de seus maiores parceiros comerciais. Segundo a revista semanal The Economist, pelo menos 30. 000 empregos estão diretamente ligados às exportações, principalmente de produtos têxteis, que entram livres de taxas no mercado americano.
Tendo em vista esta conjuntura, pode-se perguntar: seria possível o Brasil substituir os Estados Unidos como o principal parceiro da maioria dos países da América do Sul? Mesmo se fosse possível, há interesse em promover esta substituição? Não há respostas para estas perguntas, mas a segunda condicionante externa que entrava a aspiração brasileira de liderança mostra que se está muito longe desta substituição. Ela está relacionada à balança comercial superavitária para o Brasil em relação a todos os países da região.
Segundo a Apex-Brasil, o superávit do Brasil com a América Latina nos oito primeiros meses de 2007 foi de US$ 11,3 bilhões – US$ 200 milhões a mais do que no mesmo período de 2006 (US$ 11,1 bilhões). Já a corrente de comércio entre o Brasil e a América Latina totalizou US$ 37,3 bilhões de janeiro a agosto. Esse quadro se repete nas relações bilatérias do Brasil com os países da América do Sul.
Por exemplo, em relação ao Uruguai, embora tenha sustentado déficits sucessivos desde o início da década de 90, a balança comercial se tornou superavitária desde 2004. Em 2006, o Brasil vendeu ao Uruguai quase o dobro do que importou - US$ 1 bilhão contra US$ 640 milhões. Além disso, pode-se citar que o Brasil exporta quase dez vezes mais do que importa da Venezuela e quase cinco vezes mais do que importa da Colômbia.

Condicionantes Domésticos

Os condicionantes domésticos aqui identificados foram dois principais. Ambos apontam para o sucesso do acordo entre Brasil e Bolívia de combate às drogas e a consolidação da liderança brasileira na América do Sul. O primeiro destes condicionantes é a existência de vontade política e de baixa contestação em relação às duas questões.
Como já foi abordado, priorizar a América do Sul como palco de ação brasileira é ponto bastante consolidado entre os principais atores de formulação de política externa do Brasil. Isto não significa que não existam críticas a esta estratégia. Alguns setores empresariais e da mídia, em algumas ocasiões, se mostram desfavoráveis a uma ênfase na América do Sul. No entanto, esta resistência não é sistemática ou consistente e baseia-se no argumento facilmente contornável de que priorizar a região prejudica as relações com os principais parceiros desenvolvidos.
Em relação especificamente ao acordo entre Brasil e Bolívia aqui estudado, pode-se perceber que também há vontade política e baixa contestação. Um forte indicador disto é o fato de o Ministério da Justiça estar à frente do processo, sendo somente assessorado pelo Itamaraty.
O segundo condicionante doméstico é a mudança de perfil do país nos últimos anos. De maneira geral, a economia brasileira passou por uma fase de forte crescimento e considerável, porém ainda muito pequena, distribuição de renda. Além disso, o Brasil, assim como outros países em desenvolvimento, vem assistindo à internacionalização de suas principais e mais competitivas empresas. Dessa forma, é do interesse do empresariado brasileiro expandir suas relações comerciais e investimentos no exterior e a América do Sul apresenta-se como uma região de grandes possibilidades nestes dois campos.
Adicionalmente, o Brasil, nos últimos anos, deixou de ser somente uma rota de tráfico e possui hoje um perfil de pólo de consumo de drogas, principalmente de derivados de coca - por exemplo, cocaína e merla. Desta forma, à medida que as conseqüências negativas do consumo em massa de drogas vão aparecendo, as autoridades brasileiras se preocupam cada vez mais com o combate às drogas ilícitas. A cooperação com a Bolívia, então, torna-se mais urgente e necessária.

Conclusão

Tendo como base o que foi aqui analisado, é possível concluir que há grandes chances de o acordo entre Brasil e Bolívia para o combate às drogas seja bem sucedido. Há um conjunto de condicionantes favoráveis a este cenário: vontade política doméstica, urgência de tratar a questão internamente, diminuição da influência americana no combate às drogas na Bolívia, conformidade com as prioridades da política externa do Governo Lula e certa aproximação política entre Evo Morales, presidente boliviano, e Lula.
No entanto, embora a iniciativa de cooperação com os bolivianos seja um importante passo, não se pode ter o mesmo otimismo em relação à consolidação da liderança brasileira na América do Sul. Ela exigirá ainda grande esforço por parte do Brasil, principalmente, no âmbito econômico. Para sua confirmação, seria preciso maior discussão e apoio público e a implementação de uma impopular suavização – não necessariamente reversão – do superávit da balança comercial brasileira com a região.

Referências Bibliográficas

AGÊNCIA BRASIL. “Brasil pretende buscar maior equilíbrio comercial com América do Sul e Caribe”. Reportagem do dia 14 de dezembro de 2007. Disponível em: http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/12/14/materia.2007-12-14.5782042583/view. Acesso em 14/11/2008.
BANDEIRA, Luiz A. Moniz. “O Brasil e a América do Sul”. In: LESSA, Antônio Carlos & ALTEMANI, Henrique. Relações Internacionais do Brasil: temas e agendas. Volume 1. Saraiva: São Paulo, 2006.
BBC BRASIL. “Para América do Sul, liderança brasileira ainda é promessa”. Reportagem do dia 10 de março de 2008. Disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2008/03/080303_ams_abre1_diplomacia.shtml. Acesso em 14/11/2008.
CERVO, Amado Luiz. “A ação internacional do Brasil em um mundo em transformação: conceitos, objetivos e resultados (1990-2005)”. In: LESSA, Antônio Carlos & ALTEMANI, Henrique. Relações Internacionais do Brasil: temas e agendas. Volume 1. Saraiva: São Paulo, 2006.
FOLHA DE SÃO PAULO. “Brasil lança com Bolívia estratégia regional antidroga”. Reportagem do dia 13 de novembro de 2008 no jornal impresso.
THE ECONOMIST. “Bolívia and the United States: Non Grata”. Revista impressa referente à semana de 08/11 a 14/11/2008.
VIGEVANI, Tullo; OLIVEIRA, Marcelo F. de & CINTRA, Rodrigo. “Política Externa do Governo FHC: a busca de autonomia pela integração”. In: Tempo Social, v. 15, n. 2, 2005.

domingo, 2 de novembro de 2008

Paper - Conflitos em Debate


A Internacionalização do Conflito Armado da Colômbia

Introdução
Por Mário Nascimento

Filmes, livros e notícias, sem sombra a dúvida, a Colômbia corresponde a um dos cenários de conflito armado melhor retratados, analisados e documentados ao longo de quase cinqüenta anos. Atualmente, ante a ocorrência de eventos de grande importância, a imprensa internacional confere maior importância ao panorama doméstico e regional desse país e seus vizinhos. Particularmente, como conseqüência dos sucessivos choques diplomáticos com a Venezuela, o Equador e a Nicarágua, se identifica uma nova fase de internacionalização do conflito colombiano. A fim de evitar o escalonamento das tensões entre os países mencionados, se faz necessária a intermediação de organizações internacionais, principalmente a Organização dos Estados Americanos – OEA[1]. Como resultado, o conflito colombiano adquire maior relevância na agenda internacional.

Concomitantemente, no âmbito doméstico, ocorrem eventos de suma importância como, por exemplo, a extradição de antigos comandantes paramilitares, o regaste da ex- candidata presidencial Ingrid Betancourt, junto com alguns reféns norte-americanos[2], e o aumento das operações contra a estrutura das Forças Armadas Revolucionárias de Colômbia (FARC)[3]. Em conjunto, tais acontecimentos revelam uma série de mudanças internas, as quais, segundo alguns analistas[4], indicam um aparente enfraquecimento das FARC e a possibilidade de um novo processo de paz. Entretanto, apesar desses indicadores, ainda é prematuro afirmar que uma transformação tão radical esteja tomando lugar.

Crise humanitária na Colômbia
Por Denise Galvão

A crise humanitária na Colômbia motivada pelo conflito armado duradouro e de difícil solução constitui em violações do direito internacional humanitário e dos direitos humanos cometidas pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), pelas forças governamentais e pelos grupos paramilitares. A ocorrência de execuções e desaparições forçadas, torturas, seqüestros e manutenção de reféns, detenções arbitrárias e deslocamento de população, uso de minas terrestres antipessoais, recrutamento de crianças-soldados e ameaças contra sindicalistas e defensores de direitos humanos e jornalistas, compõe o quadro de violações graves, massivas e sistemáticas de direitos humanos no país. A maioria das denúncias de violações não é averiguada e nem implica a penalização dos responsáveis, nem reparação dos danos sofridos pelas vítimas.

Entre 2002 e 2007, 13.634 pessoas morreram devido à violência política, conforme um relatório divulgado em 23 de setembro de 2008, por uma coalizão de organizações de defesa dos direitos humanos. Estimados 17% dos assassinatos e desaparições forçadas são atribuídos aos agentes de segurança do governo, 58% aos paramilitares e 25% à guerrilha. De acordo com o governo, porém, o número de homicídios e de seqüestros foi reduzido – de 1.708, em 2002, para 226, em 2007. Esse alegado êxito seria responsável para aprovação de 78% dos colombianos ao governo atual.

A rationale econômica e estratégica dos combatentes, particularmente, os paramilitares, conduz a táticas para forçar pequenos proprietários de terras, trabalhadores agrícolas, comunidades afro-descendentes e povos indígenas a fugir com suas famílias, abandonando suas terras produtivas. As organizações combatentes assumem o controle e a exploração econômica das terras abandonadas – especialmente no cultivo de coca –, deixando às vítimas sobreviventes a mera alternativa de viver na pobreza, em periferias urbanas, sem desenvolver seu modo de vida e subsistência habitual.

Quanto à quantidade de deslocados internos na Colômbia, a discordância entre dados oficiais e de entidades da sociedade civil é acentuada. Enquanto o Conselho Consultivo para os Direitos Humanos e Deslocamentos Forçados (CODHES) estima que há cerca de 4 milhões de pessoas deslocadas na Colômbia, a agência presidencial Ação Social afirma que tem registradas 2,6 milhões de pessoas.

Apesar da desmobilização das Autodefensas Unidas de Colombia (AUC) – cerca de 30 mil combatentes, entre 2004 e 2006 – e dos processos criminais contra políticos e militares cúmplices e colaboradores dos paramilitares, persiste a violência derivada do conflito armado. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos relatou em 2007 que continuava a receber denúncias indicando que grupos armados à margem da lei – paramilitares e guerrilha – membros da Força Pública continuam envolvidos na perpetração de crimes, violações de direitos humanos e do direito internacional humanitário contra a população civil, especialmente do direito à vida, à integridade pessoal e à liberdade, causando o fenômeno do deslocamento interno.

O recrutamento de combatentes entre crianças menores de 18 anos é comum, sendo a idade média de engajamento 12,8 anos de idade, em violação do Protocolo Adicional I às Convenções de Genebra, de 1977. Torturas, seqüestros, detenções arbitrárias e deslocamento de população completam o panorama dramático do conflito colombiano. O drama dos reféns nas mãos da guerrilha monopoliza a atenção da opinião pública e mascara a catástrofe humanitária que atinge o país.

Sobre ajuda humanitária internacional, as políticas públicas do próprio governo colombiano são fundamentais, assim como é registrada a presença intensa de agências especializadas das Nações Unidas, como o Programa Mundial de Alimentos (World Food Program – WFP), Comitê Internacional da Cruz Vermelha, a UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), o Escritório de Coordenação de ações para direitos humanos das Nações Unidas (Office of the UN High Commissioner for Human Rights (OHCHR), o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Além disso, nota-se também a atuação de agências bilaterais de cooperação, como a USAID (United States Agency for International Development), a Comissão Européia (European Commission Humanitarian Office – ECHO) e o Norwegian Refugee Council.

Problemas de Saúde entre a População de Deslocados Internos da Colômbia
Por José Joaquim Gomes da Costa Filho

Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), existem aproximadamente 3 milhões de deslocados internos1 na Colômbia, ou seja, uma das maiores populações de deslocados internos do mundo. Estes migrantes forçados, após terem sido direta ou indiretamente atingidos pelo conflito colombiano, se mudam para áreas rurais mais isoladas dos confrontos armados e, principalmente, para as grandes cidades na esperança de encontrarem melhores condições de vida para si e suas famílias.

Mapa das Principais Populações de Deslocados Internos no Mundo segundo o ACNUR2


No entanto, o que ocorre na maior parte dos casos é se depararem com péssimas condições de acesso a saneamento básico, educação, moradia, alimentação, emprego e serviços de saúde. Em relação ao acesso a este último ponto, o isolamento das áreas rurais e das grandes favelas urbanas, a precária infra-estrutura de saúde pública, a pobreza e a discriminação direcionada aos deslocados são os principais obstáculos. O momento mais crítico para esta população é a fase de transição entre a obtenção de um assentamento temporário e o reassentamento definitivo, que, em alguns casos, pode durar muito tempo. Neste período, cessa a ajuda humanitária de emergência e as condições sanitárias e econômicas tendem a se deteriorar, piorando, dessa forma, a situação de saúde dos deslocados internos.


Entre os principais problemas de saúde derivados do deslocamento identificados na população de deslocados que habitam os bairros de Bogotá estão: comprometimento da saúde mental e perda da estabilidade psicossocial; aqueles relacionados com a alimentação; e, em menor grau, problemas gastrintestinais e respiratórios3. Estes problemas podem causar conseqüências mais graves à saúde dos deslocados, dificultam a reintegração destes na sociedade do local para onde se deslocaram, aumentam a incidência de violência intrafamiliar, etc. Dessa forma, é inegável que resolução dos problemas de saúde da enorme população de deslocados internos e, de forma geral, a melhora de suas condições de vida é um importante passo para restabelecer a tranqüilidade social e a paz na Colômbia.

Situação dos refugiados Colombianos
Por Ana Janaina Nelson

O que é o que é: anda feito refugiado, fala feito refugiado, mas não é refugiado?


Cidadãos colombianos, fugindo da guerra às drogas, em países vizinhos.


Existem 2 a 4 milhões de deslocados Colombianos, resultado da violência dos últimos dezoito anos. Mais da metade foram obrigados a deslocar-se depois do ano 2000. Parte dos deslocados ficam na Colômbia e outra parte busca refúgio no Ecuador. A fronteira com o Brasil e com a Venezuela é pouco populada e a floresta inóspita, por essa razão a grande maioria dos que buscam refúgio vão ao Ecuador.


Os números são alarmantes. Em 2000 somente 475 pessoas pediram asilo. Em 2001 e 2002 os números cresceram para 3,017 e 6,766, respectivamente. De 2000 a 2006 foram um total de 45,231 pedidos de asilo, dos quais apenas 14,300 foram aceitos pelo Ecuador.


Os número oficiais, contudo, não representam adequadamente a realidade. Muitos dos que migram ao Ecuador, fugindo da situação na Colômbia não pedem asilo. A falta de compreensão sobre o processo e a clara relutância do governo Ecuadoriano em conceder asilo, desencoraja-os. O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados diz que existem um total de 250 mil refugiados, reconhecidos e não reconhecidos, no Equador e isso não leva em consideração os 30,000 aos quais o governo Ecuadoreano negou asilo.


Esses migrantes não-documentados são duplamente vitimizados. Foram obrigados a sair de suas casas e de seu país, mas sem documentos não tem direito a educação, saúde, seguro ou qualquer tipo de servicio público disponível a residentes legais. Para trabalhar legalmente, os migrantes colombianos precisam comprar um visto de trabalho que custa mil dólares. Se quiserem trabalhar ilegalmente, terão de aceitar salários baixos e horas longas, pagando propinas a policiais que estão sempre atentos, buscando migrantes ilegais.


Em 2005 o atual governo prometeu legalizar todos os migrantes ilegais no pais, a maioria Colombianos. A promessa, até hoje, não foi cumprida. Muito deve-se à atenção voltada à redação e a aprovação da nova Constitutição. Espera-se que, com a constituição aprovada, a situação destas 266,000 pessoas seja regularizada.

sábado, 1 de novembro de 2008

Internacionalização do Conflito - Relação entre os vizinhos, Venezuela e Colômbia.

Em uma discussão sobre o papel da Venezuela no conflito da Colômbia, é necessário inicialmente contextualizar a história política venezuelana. Durante décadas a Venezuela sofreu para consolidar uma estratégia de relacionamento com os seus vizinhos. Marcada por impulsos contraditórios, o Estado pendeu entre o desejo de controlar a cooperação e a integração na região, como também por escolher ignorá-la – fato que coincide também com as fases de aproximação e negação da influência norte-americana. Os dois movimentos da balança eram inspirados na auto-percepção de superioridade econômica - advinda do petróleo, como também da superioridade política, advinda da doutrina Betancourt – esta inspirada na promoção e reconhecimento dos ideais democráticos.

Depois de uma iniciativa frustrada de hegemonia regional nos anos 50, a Venezuela adere a um isolacionismo nas décadas seguintes. Nesse período torna-se indiferente a pactos regionais, ao mesmo tempo em que desaprova fortemente todos os governos não eleitos democraticamente, tanto de esquerda como de direita. O cenário muda em 1968 com o governo de Caldera Rodriguéz. É diminuída a rigidez da desaprovação dos seus vizinhos, comportamento antes inspirado na Doutrina Betancourt, e a partir dos anos 70 passa a criar laços com seus vizinhos. Em boa parte essa ação estava apoiada em aumentar o mercado consumidor do seu petróleo. No final da década de 80 a aproximação com os vizinhos fica mais evidente e o sonho bolivariano de liderar a região substitui a doutrina Betancourt.

Na era Chávez o desejo de liderança regional se torna ainda mais evidente. A Constituição da Republica Bolivariana da Venezuela recupera a idéia da Grã-Colômbia. Assim, a Colômbia torna-se peça central para Chávez. O conflito colombiano, por sua vez, parece aproximar irreversivelmente os dois países na busca de soluções coordenadas. A fronteira com a Venezuela é bastante sensível às conseqüências do transbordamento do conflito, partilhando questões como: desenvolvimento da zona de fronteira, a migração fronteiriça, o problema de dupla nacionalidade, a segurança, a cooperação judicial, a luta contra o tráfico transfonteiriço de ilícitos e a guerra revolucionária da Colômbia. Em 1990 ocorreu um importante encontro bilateral, em que foi delimitada uma agenda de prioridades em que a Venezuela se dispunha em trabalhar na cooperação sobre tráfico e também na cooperação e assistência em casos de emergência. De 1994 a 1999, diversos atos bilaterais fortaleceram a cooperação de ambos os países, convergindo seus interesses em manter negociação direta na busca por soluções. Usando também canais de diálogo existentes nos mecanismos bilaterais, como o Mecanismo de Incidentes Transfonteiriços, criado em 1997. Houve também enfoque no adensamento do uso de negociação de alto nível. Desde 1999, vários encontros presidenciais foram realizados. Apesar do comum alarde da mídia e da opinião pública, e também do alarde diante de pronunciamentos oficiais inflamados, há boas condições institucionais para alcançar soluções politicamente concertadas.

O tema dos limites das fronteiras entre os dois países permanece espinhoso, em 1964 a Colômbia definiu unilateralmente limites marítimos e submarinos em área petrolífera na vizinhança da Venezuela, o ranço quanto a essa atitude esteve até no discurso do golpe militar de 1992, realizado por Chávez. A negociação dos limites da fronteira terrestre se estendeu até 1941, e a necessidade de delimitação de maiores marcos fronteiriços na área de fronteira permanece atualmente como uma questão prioritária da agenda política bilateral. Pois a falta desses marcos adicionado ao intenso povoamento e conflito na região provoca ocasionalmente penetração em territórios do vizinho. As questões mais sensíveis a Venezuela, nessa fluidez do conflito são o comércio de contrabando, o desmatamento, as migrações, o povoamento irregular, o narcotráfico, os seqüestros, as incursões da guerrilha e a presença de cartéis narcotraficantes.

Relação particular entre o governo de Chávez e os atores do conflito colombiano

Os governos que antecederam Chávez consideravam a insurgência colombiana inimiga comum - da Colômbia e, por conseguinte, da própria Venezuela. Chávez em seu governo opta por insistir que a guerrilha é apenas inimiga da Colômbia. A opção por este tipo de aproximação se explica pela estratégia de assim afastar a guerrilha da fronteira e obter maior poder de barganha. Chávez também optou por se dispor firmemente como mediador do conflito. O ano de 2000 foi marcado por incidentes na fronteira e tensão nas relações bilaterais, também pelo ocorrido de uma negociação direta feita pela Venezuela com os líderes das FARC. Por certos momentos as comissões binacionais tiveram seus trabalhos congelados, dado a opinião pública que cada vez mais traduzia a ação de Chávez como apoio a guerrilha.

O tratamento singular que a Venezuela dá ao conflito é explicado pelo Chanceler Rangel como uma posição de não se envolver nas questões internas colombianas, no entanto, lida com as FARC e com a negociação de paz como se a organização tivesse o mesmo status político que o Estado Colombiano. Em determinados episódios o mesmo tratamento foi seguido pelo governo de Pastrana (Colômbia), quando o Estado e as FARC sentaram numa mesa de negociação.

A relação direta da Venezuela com as FARC é motivo de tensão entre os países, é traduzido como uma posição ambígua frente as partes do conflito. Ademais, a posição crítica da Venezuela diante do Plano Colômbia é também fator de tensão entre a relação dos vizinhos. Aqui é necessário esclarecer, que a versão original do Plano Colômbia negociado entre Pastrana e Clinton não continha em seu conteúdo o caráter de intervenção militar, mas sim se apoiava na idéia de que o conflito estava calcado na desigualdade social. Na versão americana, o plano é esvaziado na cooperação pelo desenvolvimento e mais de 80% do seu orçamento é destinado a ação militar. Com o temor da internacionalização do conflito, a Venezuela a iniciativa Norte Américo-colombiana como um erro estratégico. A oposição venezuelana ao Plano Colômbia tornou-se ainda mais forte com a subida de W. Bush ao poder. O presidente americano introduziu mudanças ao plano, ampliou o para um Plano América e terceirizou a operação militar.

Os fatos atuais como a suposta participação do governo venezuelano no resgate de Ingrid Betancourt, assim como as reações a morte de um membro das FARC no território Venezuelano podem ser analisadas considerando o caráter da relação que vem sendo construído entre os dois países ao longo desses últimos anos e décadas. As tensões recorrentes da particular relação entre os dois países parecem não ser suficientes para congelar de fato o diálogo político e econômico entre os vizinhos, assim mostram os dados. Na visão do chanceler venezuelano, Vicente Rangel, a relação atual com a Colômbia "é hoje mais digna, mais clara, mais transparente, às vezes mais emotiva, porém também porque é hoje mais afetiva."

Juliana P. N. Bessa