terça-feira, 9 de junho de 2009

A política externa de Obama em perspectiva: o Fechamento da prisão em Guantánamo e proibição do uso da tortura

por Diogo Ramos Coelho


Ninguém irá ouvir o Presidente Barack Obama pronunciar as palavras “guerra ao terror”. As decisões de fechar a prisão de Guantánamo, proibir o uso da tortura, rever as políticas americanas de interrogatório e reafirmar o respeito às Convenções de Genebra e à Convenção Contra a Tortura demonstram o início da reversão das principais políticas de segurança nacional de George W. Bush, desde 2002.

A política de defesa e de segurança de um país está enquadrada em um campo estratégico de combate a ameaças existenciais (ameaças, por exemplo, à existência de um Estado, aos princípios constitutivos de um sistema político, à estabilidade econômica ou aos recursos naturais de sustento de uma sociedade). Essas políticas de defesa e segurança requerem a utilização de medidas e poderes excepcionais, com o objetivo de eliminar as ameaças que enfrentam. Nesse sentido, no dia 18 de setembro de 2001, uma resolução do Congresso americano autorizou o Presidente Bush a utilizar “todas as forças necessárias e apropriadas” para combater os países, as organizações ou as pessoas, por ele designadas, que promovessem atividades terroristas.

Desde o fim da Guerra Fria, o sistema político americano tem oscilado no apoio ao direito internacional e às instituições internacionais como instrumentos capazes de promover a segurança do país. Os EUA se estabeleceram, no século XX, como o principal guardião da ordem no sistema internacional; entretanto, em diversas ocasiões, negou-se a respeitar essas regras. Depois do 11 de setembro, as estratégias de combate ao terrorismo do governo Bush envolveram alto grau de “autonomia” dos EUA perante as prescrições do direito internacional. As ações unilaterais no Iraque, Abu Ghraib, tortura e a retórica da promoção da democracia com a Guerra do Iraque acabaram por comprometer a credibilidade americana no mundo.

Hoje, as principais ameaças à segurança global – a proliferação de armas nucleares, a mudança climática, o terrorismo, os conflitos, a pobreza, as epidemias e a instabilidade econômica – não são constrangidas por fronteiras nacionais. As respostas a essas ameaças demandam maiores níveis de cooperação e mecanismos de governança global. Nesse contexto, os EUA desempenham papel de destaque: nenhum outro Estado possui a capacidade diplomática, política e econômica necessária para renovar a cooperação entre as principais potências do mundo. Porém, para liderar, os EUA precisam primeiro renovar seu comprometimento com a ordem internacional.

Desde que iniciou as operações em 2001, imagens de tortura, denúncias de maus tratos e incertezas jurídicas tornaram a prisão militar da Baia de Guantánamo, em Cuba, símbolo da falta de comprometimento dos EUA com o sistema de direito internacional. Em quase oito anos de existência, aproximadamente 800 indivíduos – designados, ou tratados como, combatentes inimigos pelo Departamento de Defesa americano – estiveram detidos na base militar. O governo federal transferiu mais de 500 desses indivíduos para seus países de origem, ou para outro país, ou simplesmente os colocou em liberdade. Atualmente, a prisão detém cerca de 240 pessoas suspeitas de vínculos com o terrorismo.

No dia 22 de Janeiro de 2009, Obama divulgou uma ordem executiva determinando o fechamento da prisão militar em Guantánamo. No documento, o presidente afirma que:

In view of the significant concerns raised by these detentions, both within the United States and internationally, prompt and appropriate disposition of the individuals currently detained at Guantánamo and closure of the facilities in which they are detained would further the national security and foreign policy interests of the United States and the interests of justice.”

O fechamento da prisão, a proibição do uso da tortura, a revisão da política de interrogatório e a reafirmação do  respeito às Convenções de Genebra e à Convenção Contra a Tortura podem ser interpretados como sinais do governo Obama para novo engajamento dos EUA com o sistema de ordem internacional. Há a percepção de que a segurança nacional tornou-se interdependente com a segurança global. A globalização criou laços de interdependência que não favorecem o militarismo ou ações unilaterais. Para combater ameaças globais, deve-se articular respostas também globais. É nesse sentido que o fechamento de Guantánamo e a proibição do uso da tortura convergem com os interesses de segurança americanos: a restauração da confiança no papel dos EUA como principal articulador de ações coletivas.

No campo do discurso, as intenções do governo americano apontam no caminho correto. Entretanto, ao discutir política, cabe sempre lembrar: uma decisão tomada não é necessariamente uma ação cumprida. Transformar o discurso em realidade é algo complicado – e que demanda múltiplos esforços. Nesse sentido, em relação a Guantánamo, a administração de Obama encontra dificuldades em traçar um plano sobre o destino dos detentos remanescentes na prisão militar. Os esforços para transferir aqueles que são considerados menos perigosos para outros países – onde não representem uma ameaça à segurança e onde também não sofram abusos – esbarra na falta de governos dispostos a colaborar. Ainda, é incerto como se dará o processo de julgamento contra aqueles evidentemente envolvidos com práticas terroristas. Essas incertezas culminaram com a não-aprovação no Congresso americano, no dia 20 de maio de 2009, dos fundos pedidos pelo executivo para por em prática o processo de fechamento da prisão. Faltavam detalhes, alegou-se.

O argumento moral para o fechamento de Guantánamo e para a proibição do uso da tortura permanece inatacável. Mais que isso: alia-se pragmaticamente à restauração do papel dos EUA como o principal articulador de políticas cooperativas. No entanto, uma esperança vaga e virtuosa do novo compromisso dos EUA com a ordem internacional pode soar um pouco vazia diante dos limites impostos pela realidade política – e diante da constatação de que as medidas adotadas pelo governo Bush nos tempos do 11 de setembro pareciam justificáveis, tanto para os democratas quanto para os republicanos.  

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