sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Teorias de Relações Internacionais e o Conselho de Segurança: a socialização dos atores

Por Felipe Baptista


O grande trunfo do neoliberal-institucionalismo foi ter conseguido mapear a ação de Estados soberanos que, agindo em um sistema anárquico, se dispõem à formação de instituições internacionais, visando a cooperação. Nesse sentido, assistimos a formação de inúmeros organismos internacionais, que erguem regimes e afetam as dinâmicas de ação no sistema internacional, principalmente as questões relativas à segurança e conflitos armados. Quanto a isso, a área de segurança internacional tem sido, desde a ascensão das relações internacionais como uma disciplina à parte, um foco especial de preocupação no escopo de tais instituições.
As Organizações Internacionais contribuem para a alteração das práticas dos atores, sejam eles Estados, empresas privadas ou agentes da sociedade civil, ao instituírem oportunidades formais para a discussão de temas em foros multilaterais, o que aumenta o grau de sociabilidade internacional. Nesse sentido, os Estados, entes soberanos não submetidos a qualquer poder superior, têm a oportunidade de conhecer as intenções, condições e propriedades dos outros atores. Isso reduz drasticamente a desconfiança que os Estados possam ter entre si – percepção que os leva, por vezes, a sustentar políticas agressivas, como por exemplo, investir em uma corrida armamentista.
A Organização das Nações Unidas muito tem trabalhado em função da prevenção de conflitos internacionais, o principal objetivo contido em sua Carta. O Conselho de Segurança(CS), após quase sete décadas de atuação, tem sido um fórum permanente de discussão no qual os Estado discutem todo e qualquer tipo de postura ou ato internacional que interfira na segurança global.
A crítica neo-realista à atuação do CS argumenta que tal órgão não possui um poder decisório efetivo e que é apenas um epifenômeno da distribuição do poder militar entre as nações. Fato, o CS não consegue impor suas decisões à todos os Estados, mas isso não significa que a experiência participativa que esses têm em tal agência seja inválida. Em outras palavras, as organizações internacionais, de fato, não conseguem alterar diretamente as ações dos atores - seja pela inexistência de um Estado global, ou pela preponderância soberana das nações que processam suas políticas exteriores de modo pragmático-, mas conseguem moldar os interesses que sustentas tais ações. Nesse sentido, análises que tratam as instituições - como o Conselho de Segurança - apenas como um simples epifenômeno, desprezando os efeitos dos moldes da interação e de socialização entre os atores que tais organismos podem acarretar, tem um alcance explicativo limitado.


Referências

KEOHANE, Robert. After Hegemony: Cooperation and Discord in the World Political Economy. Princeton University Press, 1984.

KEOHANE, Robert. International Institutions and State Power: Essays in International Relations Theory. Westview, 1989.

WALTZ, Kenneth. Reflections on Theory of International Politics. A Response to My Critics. In Keohane, Robert: Neorealism and Its Critics. 1986.

WENDT, Alexander. Social Theory of International Politics. Cambridge University Press, 1999.

WENDT, Alexander. Institutions and International Order. In Global Changes and Theoretical Challenges. Edited by E. Czempiel, and J. Rosenau. Lexington, Mass.: Lexington Books, 1989.

WENDT, Alexander. Rationalism v. Constructivism: A Skeptical View. In Handbook of International Relations. Edited by W. Carlsnaes, T. Risse, and B. Simmons. London: Sage, 2002.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

A política de negação do conflito armado, crise humanitária e situação crônica de deslocamento na Colômbia e região vizinha

Por Thais Bessa* (Colaboração)

O conflito armado na Colômbia entre o governo e grupos armados irregulares como as guerrilhas[1] e os paramilitares[2] já dura mais de quarenta anos e tem causado deslocamento massivo. Atualmente a Colômbia tem uma das maiores populações de deslocados internos do mundo. Vários avanços já foram alcançados em relação à proteção desta população, como a adoção da Lei 387 em 1997, mas ainda persitem várias lacunas. Há um alarmante desacordo em relação ao número de deslocados internos, variando entre 2 e 4 milhões[3] e a ajuda oferecida pelo governo aos deslocados é considerada insuficiente e chega a apenas uma parte da população.
Contudo, se o deslocamento interno recebe relativa atenção por parte de tomadores de decisão do governo, de organizações internacionais, dos doadores e da mídia, o mesmo não ocorre com o deslocamento de colombianos e colombianas na região vizinha. Existem atualmente cerca de 525,000 pessoas deslocadas[4] em cinco países da região (Brasil, Costa Rica, Equador, Panamá e Venezuela), dos quais apenas 25,000 foram formalmente reconhecidos como refugiados (UNHCR 2006). Assim, a maioria destes deslocados permanece em uma situação de invisibilidade, sem acesso à proteção internacional a que têm direito, sem assistência humanitária ou soluções duradouras efetivas.
Há uma grande relutância em se reconhecer o caso colombiano tanto como uma crise humanitária quanto como uma situação crônica de deslocamento (Protracted Refugee Situation – PRS). O ACNUR define uma PRS como uma população maior que 25,000 refugiados que permanecem em uma situação de limbo por mais de cinco anos em um país em desenvolvimento. “A vida dos refugiados pode não estar em risco, mas seus direitos básicos e necessidades essenciais econômicas, sociais e psicológicas não são atendidos após anos no exílio” (UNHCR 2004). Especialistas como Gil Loescher e James Milner (2005) entendem ainda que esta definição é altamente insuficiente e não inclui todas as situações crônicas de deslocamento, e que uma PRS refere-se à combinação das condições no país de origem, nos países de asilo e na resposta oferecida pela comundiade internacional, que acaba deixando os refugiados em tal situação de limbo.
O reconhecimento de uma PRS é uma questão de escolha política. Como mencionado, no caso colombiano, é adotada uma política de negação não apenas da crise humanitária e do deslocamento crônico, como do próprio conflito. O governo Uribe tem negado insistentemente o fato de que o país enfrenta um conflito armado interno, e cada vez mais insere suas ações militares no marco da guerra contra o terror pós 11 de setembro. Assim, a Colômbia é apresentada não como um país em conflito, mas como um Estado democrático combatendo ameaças terroristas e o narco-tráfico (UNIFEM 2004). Nas palavras do próprio presidente Uribe: “Eu não falo de guerra total. Nem mesmo de guerra. Ao contrário, eu sempre falei de segurança democrática.” (Orozco 2002:25). Em 2005 o governo publicou o documento “Guidelines for international cooperation projects”, definindo que os documentos de cooperação técnica elaborados por organismos internacionais deveriam se referir sempre à “violência terrorista” em vez de “crise humanitária” e “conflito armado” (Hidalgo 2007).
Tal postura é apoiada pelos governos dos EUA, Canadá e de países da União Européia, que incluíram as guerrilhas FARC-EP e ELN e os paramilitares da AUC em suas listas de organizações terroristas. Como consequência, os deslocados fora da Colômbia são percebidos como migrantes. Mais problemático ainda, grande parte dos que chegam a solicitar refúgio ou reasseentamento nestes países têm seus pedidos negados, pois mesmo que tenham sido violentamente extorquidos pelos grupos armados são acusados de haverem “financiado organizações terroristas” (Fleming et al. 2006).
Ademais, as respostas internacionais oferecidas ao deslocamento causado pelo conflito colombiano são afetadas por dinâmicas políticas e de segurança regionais que não necessariamente coincidem com interesses humanitários. Há tensões recorrentes entre o governo colombiano e seus vizinhos devido ao antagonismo político entre Uribe e os governos da Venezuela e Equador (e em menor escala do Brasil e Panamá). Os governos que têm certa afinidade ideológica com os grupos insurgentes relutam em reconhecê-los como agentes de perseguição, e, consequentemnte, em reconhecer suas vítimas como refugiados. O antagonismo também se deve à presença de membros dos grupos armados em território vizinho e o governo colombiano acusa países da região de apoiarem os grupos “terroristas”. A tensão atingiu seu ápice em fevereiro de 2008 quando forças armadas colombianas atacaram um campo das FARC no lado equatoriano da fronteira (BBC 2008). Ainda no campo da segurança, há vários relatos de movimentos trans-fronteiriços de grupos armados e traficantes de armas, drogas e seres humanos (Fagen et al. 2006; IDMC 2007). Respondendo a esta situação, todos os países vizinhos vêm reforçando sua presença nas fronteiras com a Colômbia (Gottwald 2003).
A política de negação da crise humanitária e da situação de deslocamento crônico também se deve ao fato de que a Colômbia é percebida como um país democrático, de desenvolvimento médio e estável, e não um Estado falido, conceito geralmente associado a situações de conflito interno e grandes fluxos de deslocamento (Jackson 1998). Em contraste com situações de deslocamento forçado na África e no Sudeste Asiático, os refugiados colombianos recebem pouca atenção da comunidade internacional tanto em termos de esforços diplomáticos quanto em termos de recursos financeiros de assistência.
Finalmente, deve ser notado que o deslocamento de colombianos na região não se enquadra no perfil “tradicional” de crises de refugiados. A América Latina é a única região do mundo onde não há campos de refugiados e devido às dificuldades de acesso à terra típicas do sub-continente, a maioria dos deslocados colombianos (internos ou na região vizinha) estão dispersos nas zonas urbanas, especialemente em grandes cidades (Delgado e Laegreid 2001; Gottwald 2003; Meertens e Stoller 2001; UNHCR 2003; UNIFEM 2004). Como se establecem sem ajuda de organizações externas e estão dispersos nas cidades, estes refugiados recebem pouca atenção da comunidade internacional, focada nas imagens tradicionais e desesperadas de campos de refugiados, de grande apelo para a mídia, doadores e para o público em geral.
A política de negação do conflito, crise humanitária e deslocamento crônico traz graves consequências para os deslocados em termos de direitos humanos e soluções duradouras. Como observado, pouquíssimas pessoas têm sua condição de refugiado oficialmente reconhecida pelos governos da região e a maioria absoluta permanece invisível, vivendo em um limbo legal e prático, sem acesso a proteção, assistência e direitos básicos como documentação, moradia, emprego e serviços públicos. O número crescente de colombianos nos países vizinhos também contribui para o aumento da xenofobia e discriminação, uma vez que a população local teme que a presença dos deslocados atraia violência e que gere competição por recursos escassos em regiões que já são historicamente empobrecidas.
A solução de uma crise humanitária e situação crônica de deslocamento inclui quatro dimensões: peace-building, segurança, direitos humanos e desenvolvimento (Loescher e Milner 2005). Contudo, no caso colombiano três destas dimensões têm sido negligenciadas e o foco tem sido colocado no componente de segurança. Especialmente após o 11 de setembro há cada vez menos atenção para a solução do conflito (peace-building) e assistência humanitária, e mais para o combate ao tráfico de drogas e terrorismo (Restrepo e Spagat 2004). Neste sentido, apesar de que o Plano Colômbia foi criado em 1999 como um programa abrangente nas áreas de paz, combate a narcóticos, economia, democracia, desenvolvimento social e direitos humanos, entre 1999 e 2004 cerca de 85% da ajuda financeira dos EUA (pincipal contribuinte externo do Plano) foi destinada a atividades militares (Haugaard et al. 2005). Enquanto a existência do conflito armado for negada com base na guerra contra o terrorismo, o estabelecimento da paz será uma possibilidade cada vez mais distante na Colômbia. E enquanto a existência de uma crise humanitária e de uma situação crônica de deslocamento for negada como consequência desta decisão política, os milhares de deslocados e comunidades receptoras permanecerão em um limbo sem proteção e assistência adequadas.

* Mestre em Migrações Forçadas (com louvor) pela Universidade de Oxford, Reino Unido. Bacharel e mestranda em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB). Trabalhou no escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) no Brasil entre 2004 e 2007, após desenvolver pesquisa acadêmica para o ACNUR, Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) e Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI) entre 2002 e 2004. Em 2009, realizará estudo sobre o conflito e deslocamento na Colômbia e regiões vizinhas como Pesquisadora Visitante do Refugee Studies Centre, Universidade de Oxford. (thais.bessa@gmail.com)

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Referências Citadas:
BBC (2008) ‘Neighbours cut ties with Colombia’, March 4. Disponível em: <http://news.bbc.co.uk/1/hi/world/americas/7276228.stm> (acessado em 18 de maio de 2008)
CODHES (Consultoría para los Derechos Humanos y el Desplazamiento) (2003) Desplazados sin salida?, Bulletin number 46.
DELGADO, E.H. and LAEGREID, T. (2001) ‘Colombia: Creating Peace Amid the Violence. The Church, NGOs and the Displaced’, 205-223 in Vincent, M. and Sorensen, B. R. (eds.) Caught Between Borders: Response Strategies of the Internally Displaced, NRC, London: Pluto Press.
Fagen, P. W, Juan, A.F., Stepputat, F. e Lopez, R.V. (2006) ‘Protracted Displacement in Colombia: National and International Responses’, 73-114 in McDowell, C. and Van Hear, N. (eds.) Catching Fire: Containing Forced Migration in a Volatile World, Lanham, Lexington Books.
Fleming, M., MacLean, E. e TAUB, A. (eds.) (2006) Unintended Consequences: Refugee Victims of the War on Terror, Refugee Fact-Finding Investigation, Georgetown University Law Center, Human Rights Institute.
GOODWIN-GILL, G. (1996) The Refugee in International Law, Oxford, Clarendon Press.
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Haugaard, L., Isacson, A. e Olson, J. (2005) Erasing the Lines: Trends in U.S. military programs with Latin America (online), Latin America Working Group Education Fund, Center for International Policy and Washington Office on Latin America. Disponível em: <http://www.ciponline.org/facts/0512eras.pdf> (acessado em 18 de maio de 2008)
HIDALGO, S. (2007) ‘Colombia: a Crisis Concealed’, 79-85 in Hidalgo, S. And López-Claros, A., The Humanitarian Response Index 2007: Measuring Commitment to Best Practice, Madrid, Development Assistance Research Associates (DARA).
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Jackson, R.H. (1998) “Surrogate Sovereignty? Great Power Responsibility and ‘Failed States’”, Working Paper Nº 25, Institute of International Relations, The University of British Columbia.
LOESCHER, G. e MILNER, J. (2005) Protracted Refugee Situations: Domestic and international security implications, New York, Routledge.
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[1] Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia – Ejército del Pueblo (FARC-EP), Ejército de Liberación Nacional (ELN) e Ejército de Liberación Popular (ELP).
[2] Unidos desde 1997 na organização guarda-chuva Autodefensas Unidas de Colombia (AUC).
[3] Fonte: Internal Displacement Monitoring Centre (IDMC) 2007. De acordo com os dados do governo, há 1,976,970 deslocados internos e de acordo com a ONG CODHES (Consultoría para los Derechos Humanos y el Desplazamiento) há 3,940,164. Os números são estimativas, acumulados desde 1985 para a CODHES e 1994 para o governo. Contudo, governo e sociedade civil concordam que o sub-registro de deslocados internos chega a 35% (IDMC 2007a).
[4] Este trabalho refere-se à população colombiana deslocada na região como “pessoas deslocadas” ou “refugiados”. Apesar de que apenas uma minoria (menos de 5%) é formalmente reconhecida como refugiada, todos fugiram de seu país devido às mesmas causas, enfrentam as mesmas dificuldades e têm os mesmos direitos. Além disso, a condição de refugiado é considerada “essencialmente declaratória por natureza” (Goodwin-Gill 1996:141). Assim, o ACNUR não faz distinção entre os refugiados de facto e os de jure, considerando todos parte de sua “population of concern”. Similarmente, o termo deslocado interno é usado mesmo quando a pessoa não tenha recebido reconhecimento formal por parte das autoridades governamentais, posição confirmada por uma sentença da Corte Constitucional Colombiana de 2004.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Estratégia Sul-americana de Combate às Drogas? A liderança brasileira no subcontinente em debate

Por José Joaquim G. da Costa Filho

No dia 13 de novembro de 2008, foi assinado entre o ministro de Justiça brasileiro, Tarso Genro, e o ministro do governo boliviano, Alfredo Rada, um acordo lançando uma estratégia regional de combate às drogas. O acordo prevê ações conjuntas de polícias, localização e destruição de laboratórios e pistas de pouso clandestinas, suporte das Forças Armadas e troca de informações sobre o tráfico. No entanto, o ponto do acordo que mais se destaca é a tolerância em relação ao plantio para consumo tradicional das populações andinas. Ou seja, o objetivo será controlar a expansão das lavouras e não a erradicação total das plantações.
Além disso, este acordo ganha grande importância quando contextualizado no quadro geral de combate às drogas na América do Sul. Recentemente, o governo boliviano expulsou do país tanto o embaixador americano em La Paz, Philip Golgberg, como a agência americana de combate às drogas, DEA (Drug Enforcement Administration), acusando-os de conspirarem contra a atual administração do país.
Dessa forma, esta parceria entre Bolívia e Brasil no combate às drogas pode ser analisada como o preenchimento do vácuo de poder deixado pela retirada da influência americana na questão. Ao contrário da posição americana de tolerância zero em relação a qualquer tipo de plantação de coca, o Brasil aceita o lema de Evo Morales, “cocaína zero, mas não coca zero”. Vale ainda ressaltar que o acordo prevê ainda a participação da Argentina, Peru e Chile e, conseqüentemente, a conformação de uma estratégia sul-americana de combate às drogas.
Tendo como base este fato, esta breve análise de política externa tentará avaliar concomitantemente dois objetos de estudo: a possibilidade de sucesso deste acordo e a posição de liderança brasileira no continente sul-americano. Para isto, primeiramente, serão abordados o substrato ideacional e valorativo da política externa brasileira do Governo Lula, assim como suas direções, prioridades e objetivos. Em seguida, serão analisados os condicionantes externos e domésticos em relação aos dois objetos de estudo. Por fim, serão feitas as cabíveis conclusões e traçado um cenário futuro provável. Os níveis de análise utilizados serão o sistêmico e o nacional.

Substrato ideacional e valorativo da política externa do Governo Lula

A eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, representou, nas questões de política externa, uma quebra substancial - mas não ruptura - com a ação externa empreendida pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Este último baseava-se, segundo Amado Luiz Cervo, em três tendências de fundo: o neoliberalismo subserviente e destrutivo em relação ao patrimônio da nação, a promoção do desenvolvimento associado às forças do capitalismo e a competição internacional perante a égide do livre mercado.
Com o apoio da opinião pública, Lula estava convencido de que era preciso proceder com uma mudança dos modelos de desenvolvimento econômico e social e de inserção internacional. A concretização do objetivo de autonomia pela integração de FHC parecia estar permeada pela ingenuidade e pela escassez de resultados efetivos – por exemplo, a ratificação do Tratado de Não-Proliferação Nuclear.
Sendo assim, segundo Amado Luiz Cervo, que faz um completo resumo do substrato ideacional e valorativo orientador da política externa do atual governo na passagem abaixo, Lula procurou e conseguiu tanto resgatar elementos esquecidos pelo ex-presidente Fernando Henrique quanto fortalecer os princípios históricos básicos da atuação internacional brasileira:

“a ação externa de Lula, enfim, pôs em jogo o acumulado histórico da diplomacia brasileira, composto de princípios e padrões de conduta que reforçam o poder nacional e a capacidade de negociação internacional. Três padrões de conduta foram sacrificados pela fase anterior: a independência de inserção internacional, o realismo evoluído para pragmatismo e o desenvolvimento nacional como vetor da política externa. Lula os recuperou, em certa medida, reforçando ainda os demais componentes do acumulado: autodeterminação e não-intervenção, com solução pacífica de controvérsias, juridicismo, cordialidade oficial no trato com a vizinhança, parcerias estratégicas como eixos privilegiados de ação externa e multilateralismo”.

Em relação às direções/prioridades de política externa do governo Lula, pode-se apontar três principais. Em relação ao campo multilateral, o país abandonou a ilusão Kantiana do ordenamento harmonioso e passou a adotar uma posição mais pragmática, pro ativa e, às vezes, contestadora. Em segundo lugar, Lula buscou superar a situação de vulnerabilidade deixada por FHC, conformada, principalmente, por três mecanismos: dependência tecnológica, empresarial e financeira.
Por fim, a terceira direção/prioridade de atuação do governo Lula é a América do Sul. Embora já fosse prioridade para FHC, a ênfase no subcontinente foi redobrada. Há um projeto de construção de uma unidade política, econômica e de segurança na América do Sul que possui apoio do Ministério das Relações Exteriores e da Assessoria Especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República.
Tendo em vista o breve panorama acerca dos traços gerais da política externa do Governo Lula, pode-se perceber que a integração sul-americana é uma prioridade para o Brasil atualmente e que este também pretende assumir um papel de liderança na região. No entanto, mantendo seus princípios históricos de inserção internacional e relacionamento com os vizinhos, não objetiva alcançar uma posição hegemônica. Ao contrário, busca respeitar as particularidades de cada povo. È neste contexto que se encaixa o acordo de combate às drogas assinado entre Brasil e Bolívia.

Condicionantes externos

No entanto para entender mais profundamente a possibilidade de sucesso deste acordo e a posição da liderança brasileira na América do Sul, é preciso, além de observar os contornos gerais da política externa brasileira, interpretar alguns condicionantes externos e domésticos relacionados com os objetos de estudo.
O primeiro destes condicionantes externos é a discretíssima importância da América do Sul para a política externa americana. A política do governo Bush deu prioridade à guerra ao terror, ao Oriente Médio e às invasões do Iraque e Afeganistão, colocando em segundo plano sua atuação no continente americano. Além disso, a eleição de Barack Obama para presidência dos Estados Unidos não parece apontar nenhuma mudança substancial em relação ao nível de prioridade dado ao relacionamento deste país com a América do Sul.
Coaduna-se a este contexto, o fato de não haver nenhum governo na região que seja aliado direto dos Estados Unidos. A única exceção é o governo de Álvaro Uribe na Colômbia. Os demais variam de uma posição de busca de uma agenda afirmativa – por exemplo, o Brasil – até uma posição de aberta confrontação, pelo menos na retórica, com os Estados Unidos – por exemplo, Venezuela e Bolívia.
Estes dois condicionantes resultam numa visível deterioração da histórica liderança americana na região. Isto proporciona um vácuo de poder para que o Brasil possa exercer sua tendência natural de líder na América do Sul. È neste contexto que se insere o acordo entre Brasil e Bolívia para o combate às drogas. No entanto, há alguns outros condicionantes externos que dificultam a consolidação desta aspiração brasileira.
O primeiro deles é a dependência econômica e financeira da maioria dos países da região em relação aos Estados Unidos. A Venezuela é um grande exemplo desta condicionante, pois, embora mantenha uma forte retórica de contestação da hegemonia americana, tem no mercado americano o maior consumidor de suas exportações, baseadas, principalmente, no petróleo. A Bolívia também pode ser citada como exemplo. Ao mesmo tempo que apresenta-se hostil à ajuda americana para o combate às drogas, depende de programas tarifários especiais para a entrada da maioria de seus produtos nos Estados Unidos, um de seus maiores parceiros comerciais. Segundo a revista semanal The Economist, pelo menos 30. 000 empregos estão diretamente ligados às exportações, principalmente de produtos têxteis, que entram livres de taxas no mercado americano.
Tendo em vista esta conjuntura, pode-se perguntar: seria possível o Brasil substituir os Estados Unidos como o principal parceiro da maioria dos países da América do Sul? Mesmo se fosse possível, há interesse em promover esta substituição? Não há respostas para estas perguntas, mas a segunda condicionante externa que entrava a aspiração brasileira de liderança mostra que se está muito longe desta substituição. Ela está relacionada à balança comercial superavitária para o Brasil em relação a todos os países da região.
Segundo a Apex-Brasil, o superávit do Brasil com a América Latina nos oito primeiros meses de 2007 foi de US$ 11,3 bilhões – US$ 200 milhões a mais do que no mesmo período de 2006 (US$ 11,1 bilhões). Já a corrente de comércio entre o Brasil e a América Latina totalizou US$ 37,3 bilhões de janeiro a agosto. Esse quadro se repete nas relações bilatérias do Brasil com os países da América do Sul.
Por exemplo, em relação ao Uruguai, embora tenha sustentado déficits sucessivos desde o início da década de 90, a balança comercial se tornou superavitária desde 2004. Em 2006, o Brasil vendeu ao Uruguai quase o dobro do que importou - US$ 1 bilhão contra US$ 640 milhões. Além disso, pode-se citar que o Brasil exporta quase dez vezes mais do que importa da Venezuela e quase cinco vezes mais do que importa da Colômbia.

Condicionantes Domésticos

Os condicionantes domésticos aqui identificados foram dois principais. Ambos apontam para o sucesso do acordo entre Brasil e Bolívia de combate às drogas e a consolidação da liderança brasileira na América do Sul. O primeiro destes condicionantes é a existência de vontade política e de baixa contestação em relação às duas questões.
Como já foi abordado, priorizar a América do Sul como palco de ação brasileira é ponto bastante consolidado entre os principais atores de formulação de política externa do Brasil. Isto não significa que não existam críticas a esta estratégia. Alguns setores empresariais e da mídia, em algumas ocasiões, se mostram desfavoráveis a uma ênfase na América do Sul. No entanto, esta resistência não é sistemática ou consistente e baseia-se no argumento facilmente contornável de que priorizar a região prejudica as relações com os principais parceiros desenvolvidos.
Em relação especificamente ao acordo entre Brasil e Bolívia aqui estudado, pode-se perceber que também há vontade política e baixa contestação. Um forte indicador disto é o fato de o Ministério da Justiça estar à frente do processo, sendo somente assessorado pelo Itamaraty.
O segundo condicionante doméstico é a mudança de perfil do país nos últimos anos. De maneira geral, a economia brasileira passou por uma fase de forte crescimento e considerável, porém ainda muito pequena, distribuição de renda. Além disso, o Brasil, assim como outros países em desenvolvimento, vem assistindo à internacionalização de suas principais e mais competitivas empresas. Dessa forma, é do interesse do empresariado brasileiro expandir suas relações comerciais e investimentos no exterior e a América do Sul apresenta-se como uma região de grandes possibilidades nestes dois campos.
Adicionalmente, o Brasil, nos últimos anos, deixou de ser somente uma rota de tráfico e possui hoje um perfil de pólo de consumo de drogas, principalmente de derivados de coca - por exemplo, cocaína e merla. Desta forma, à medida que as conseqüências negativas do consumo em massa de drogas vão aparecendo, as autoridades brasileiras se preocupam cada vez mais com o combate às drogas ilícitas. A cooperação com a Bolívia, então, torna-se mais urgente e necessária.

Conclusão

Tendo como base o que foi aqui analisado, é possível concluir que há grandes chances de o acordo entre Brasil e Bolívia para o combate às drogas seja bem sucedido. Há um conjunto de condicionantes favoráveis a este cenário: vontade política doméstica, urgência de tratar a questão internamente, diminuição da influência americana no combate às drogas na Bolívia, conformidade com as prioridades da política externa do Governo Lula e certa aproximação política entre Evo Morales, presidente boliviano, e Lula.
No entanto, embora a iniciativa de cooperação com os bolivianos seja um importante passo, não se pode ter o mesmo otimismo em relação à consolidação da liderança brasileira na América do Sul. Ela exigirá ainda grande esforço por parte do Brasil, principalmente, no âmbito econômico. Para sua confirmação, seria preciso maior discussão e apoio público e a implementação de uma impopular suavização – não necessariamente reversão – do superávit da balança comercial brasileira com a região.

Referências Bibliográficas

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VIGEVANI, Tullo; OLIVEIRA, Marcelo F. de & CINTRA, Rodrigo. “Política Externa do Governo FHC: a busca de autonomia pela integração”. In: Tempo Social, v. 15, n. 2, 2005.

domingo, 2 de novembro de 2008

Paper - Conflitos em Debate


A Internacionalização do Conflito Armado da Colômbia

Introdução
Por Mário Nascimento

Filmes, livros e notícias, sem sombra a dúvida, a Colômbia corresponde a um dos cenários de conflito armado melhor retratados, analisados e documentados ao longo de quase cinqüenta anos. Atualmente, ante a ocorrência de eventos de grande importância, a imprensa internacional confere maior importância ao panorama doméstico e regional desse país e seus vizinhos. Particularmente, como conseqüência dos sucessivos choques diplomáticos com a Venezuela, o Equador e a Nicarágua, se identifica uma nova fase de internacionalização do conflito colombiano. A fim de evitar o escalonamento das tensões entre os países mencionados, se faz necessária a intermediação de organizações internacionais, principalmente a Organização dos Estados Americanos – OEA[1]. Como resultado, o conflito colombiano adquire maior relevância na agenda internacional.

Concomitantemente, no âmbito doméstico, ocorrem eventos de suma importância como, por exemplo, a extradição de antigos comandantes paramilitares, o regaste da ex- candidata presidencial Ingrid Betancourt, junto com alguns reféns norte-americanos[2], e o aumento das operações contra a estrutura das Forças Armadas Revolucionárias de Colômbia (FARC)[3]. Em conjunto, tais acontecimentos revelam uma série de mudanças internas, as quais, segundo alguns analistas[4], indicam um aparente enfraquecimento das FARC e a possibilidade de um novo processo de paz. Entretanto, apesar desses indicadores, ainda é prematuro afirmar que uma transformação tão radical esteja tomando lugar.

Crise humanitária na Colômbia
Por Denise Galvão

A crise humanitária na Colômbia motivada pelo conflito armado duradouro e de difícil solução constitui em violações do direito internacional humanitário e dos direitos humanos cometidas pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), pelas forças governamentais e pelos grupos paramilitares. A ocorrência de execuções e desaparições forçadas, torturas, seqüestros e manutenção de reféns, detenções arbitrárias e deslocamento de população, uso de minas terrestres antipessoais, recrutamento de crianças-soldados e ameaças contra sindicalistas e defensores de direitos humanos e jornalistas, compõe o quadro de violações graves, massivas e sistemáticas de direitos humanos no país. A maioria das denúncias de violações não é averiguada e nem implica a penalização dos responsáveis, nem reparação dos danos sofridos pelas vítimas.

Entre 2002 e 2007, 13.634 pessoas morreram devido à violência política, conforme um relatório divulgado em 23 de setembro de 2008, por uma coalizão de organizações de defesa dos direitos humanos. Estimados 17% dos assassinatos e desaparições forçadas são atribuídos aos agentes de segurança do governo, 58% aos paramilitares e 25% à guerrilha. De acordo com o governo, porém, o número de homicídios e de seqüestros foi reduzido – de 1.708, em 2002, para 226, em 2007. Esse alegado êxito seria responsável para aprovação de 78% dos colombianos ao governo atual.

A rationale econômica e estratégica dos combatentes, particularmente, os paramilitares, conduz a táticas para forçar pequenos proprietários de terras, trabalhadores agrícolas, comunidades afro-descendentes e povos indígenas a fugir com suas famílias, abandonando suas terras produtivas. As organizações combatentes assumem o controle e a exploração econômica das terras abandonadas – especialmente no cultivo de coca –, deixando às vítimas sobreviventes a mera alternativa de viver na pobreza, em periferias urbanas, sem desenvolver seu modo de vida e subsistência habitual.

Quanto à quantidade de deslocados internos na Colômbia, a discordância entre dados oficiais e de entidades da sociedade civil é acentuada. Enquanto o Conselho Consultivo para os Direitos Humanos e Deslocamentos Forçados (CODHES) estima que há cerca de 4 milhões de pessoas deslocadas na Colômbia, a agência presidencial Ação Social afirma que tem registradas 2,6 milhões de pessoas.

Apesar da desmobilização das Autodefensas Unidas de Colombia (AUC) – cerca de 30 mil combatentes, entre 2004 e 2006 – e dos processos criminais contra políticos e militares cúmplices e colaboradores dos paramilitares, persiste a violência derivada do conflito armado. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos relatou em 2007 que continuava a receber denúncias indicando que grupos armados à margem da lei – paramilitares e guerrilha – membros da Força Pública continuam envolvidos na perpetração de crimes, violações de direitos humanos e do direito internacional humanitário contra a população civil, especialmente do direito à vida, à integridade pessoal e à liberdade, causando o fenômeno do deslocamento interno.

O recrutamento de combatentes entre crianças menores de 18 anos é comum, sendo a idade média de engajamento 12,8 anos de idade, em violação do Protocolo Adicional I às Convenções de Genebra, de 1977. Torturas, seqüestros, detenções arbitrárias e deslocamento de população completam o panorama dramático do conflito colombiano. O drama dos reféns nas mãos da guerrilha monopoliza a atenção da opinião pública e mascara a catástrofe humanitária que atinge o país.

Sobre ajuda humanitária internacional, as políticas públicas do próprio governo colombiano são fundamentais, assim como é registrada a presença intensa de agências especializadas das Nações Unidas, como o Programa Mundial de Alimentos (World Food Program – WFP), Comitê Internacional da Cruz Vermelha, a UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), o Escritório de Coordenação de ações para direitos humanos das Nações Unidas (Office of the UN High Commissioner for Human Rights (OHCHR), o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Além disso, nota-se também a atuação de agências bilaterais de cooperação, como a USAID (United States Agency for International Development), a Comissão Européia (European Commission Humanitarian Office – ECHO) e o Norwegian Refugee Council.

Problemas de Saúde entre a População de Deslocados Internos da Colômbia
Por José Joaquim Gomes da Costa Filho

Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), existem aproximadamente 3 milhões de deslocados internos1 na Colômbia, ou seja, uma das maiores populações de deslocados internos do mundo. Estes migrantes forçados, após terem sido direta ou indiretamente atingidos pelo conflito colombiano, se mudam para áreas rurais mais isoladas dos confrontos armados e, principalmente, para as grandes cidades na esperança de encontrarem melhores condições de vida para si e suas famílias.

Mapa das Principais Populações de Deslocados Internos no Mundo segundo o ACNUR2


No entanto, o que ocorre na maior parte dos casos é se depararem com péssimas condições de acesso a saneamento básico, educação, moradia, alimentação, emprego e serviços de saúde. Em relação ao acesso a este último ponto, o isolamento das áreas rurais e das grandes favelas urbanas, a precária infra-estrutura de saúde pública, a pobreza e a discriminação direcionada aos deslocados são os principais obstáculos. O momento mais crítico para esta população é a fase de transição entre a obtenção de um assentamento temporário e o reassentamento definitivo, que, em alguns casos, pode durar muito tempo. Neste período, cessa a ajuda humanitária de emergência e as condições sanitárias e econômicas tendem a se deteriorar, piorando, dessa forma, a situação de saúde dos deslocados internos.


Entre os principais problemas de saúde derivados do deslocamento identificados na população de deslocados que habitam os bairros de Bogotá estão: comprometimento da saúde mental e perda da estabilidade psicossocial; aqueles relacionados com a alimentação; e, em menor grau, problemas gastrintestinais e respiratórios3. Estes problemas podem causar conseqüências mais graves à saúde dos deslocados, dificultam a reintegração destes na sociedade do local para onde se deslocaram, aumentam a incidência de violência intrafamiliar, etc. Dessa forma, é inegável que resolução dos problemas de saúde da enorme população de deslocados internos e, de forma geral, a melhora de suas condições de vida é um importante passo para restabelecer a tranqüilidade social e a paz na Colômbia.

Situação dos refugiados Colombianos
Por Ana Janaina Nelson

O que é o que é: anda feito refugiado, fala feito refugiado, mas não é refugiado?


Cidadãos colombianos, fugindo da guerra às drogas, em países vizinhos.


Existem 2 a 4 milhões de deslocados Colombianos, resultado da violência dos últimos dezoito anos. Mais da metade foram obrigados a deslocar-se depois do ano 2000. Parte dos deslocados ficam na Colômbia e outra parte busca refúgio no Ecuador. A fronteira com o Brasil e com a Venezuela é pouco populada e a floresta inóspita, por essa razão a grande maioria dos que buscam refúgio vão ao Ecuador.


Os números são alarmantes. Em 2000 somente 475 pessoas pediram asilo. Em 2001 e 2002 os números cresceram para 3,017 e 6,766, respectivamente. De 2000 a 2006 foram um total de 45,231 pedidos de asilo, dos quais apenas 14,300 foram aceitos pelo Ecuador.


Os número oficiais, contudo, não representam adequadamente a realidade. Muitos dos que migram ao Ecuador, fugindo da situação na Colômbia não pedem asilo. A falta de compreensão sobre o processo e a clara relutância do governo Ecuadoriano em conceder asilo, desencoraja-os. O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados diz que existem um total de 250 mil refugiados, reconhecidos e não reconhecidos, no Equador e isso não leva em consideração os 30,000 aos quais o governo Ecuadoreano negou asilo.


Esses migrantes não-documentados são duplamente vitimizados. Foram obrigados a sair de suas casas e de seu país, mas sem documentos não tem direito a educação, saúde, seguro ou qualquer tipo de servicio público disponível a residentes legais. Para trabalhar legalmente, os migrantes colombianos precisam comprar um visto de trabalho que custa mil dólares. Se quiserem trabalhar ilegalmente, terão de aceitar salários baixos e horas longas, pagando propinas a policiais que estão sempre atentos, buscando migrantes ilegais.


Em 2005 o atual governo prometeu legalizar todos os migrantes ilegais no pais, a maioria Colombianos. A promessa, até hoje, não foi cumprida. Muito deve-se à atenção voltada à redação e a aprovação da nova Constitutição. Espera-se que, com a constituição aprovada, a situação destas 266,000 pessoas seja regularizada.

sábado, 1 de novembro de 2008

Internacionalização do Conflito - Relação entre os vizinhos, Venezuela e Colômbia.

Em uma discussão sobre o papel da Venezuela no conflito da Colômbia, é necessário inicialmente contextualizar a história política venezuelana. Durante décadas a Venezuela sofreu para consolidar uma estratégia de relacionamento com os seus vizinhos. Marcada por impulsos contraditórios, o Estado pendeu entre o desejo de controlar a cooperação e a integração na região, como também por escolher ignorá-la – fato que coincide também com as fases de aproximação e negação da influência norte-americana. Os dois movimentos da balança eram inspirados na auto-percepção de superioridade econômica - advinda do petróleo, como também da superioridade política, advinda da doutrina Betancourt – esta inspirada na promoção e reconhecimento dos ideais democráticos.

Depois de uma iniciativa frustrada de hegemonia regional nos anos 50, a Venezuela adere a um isolacionismo nas décadas seguintes. Nesse período torna-se indiferente a pactos regionais, ao mesmo tempo em que desaprova fortemente todos os governos não eleitos democraticamente, tanto de esquerda como de direita. O cenário muda em 1968 com o governo de Caldera Rodriguéz. É diminuída a rigidez da desaprovação dos seus vizinhos, comportamento antes inspirado na Doutrina Betancourt, e a partir dos anos 70 passa a criar laços com seus vizinhos. Em boa parte essa ação estava apoiada em aumentar o mercado consumidor do seu petróleo. No final da década de 80 a aproximação com os vizinhos fica mais evidente e o sonho bolivariano de liderar a região substitui a doutrina Betancourt.

Na era Chávez o desejo de liderança regional se torna ainda mais evidente. A Constituição da Republica Bolivariana da Venezuela recupera a idéia da Grã-Colômbia. Assim, a Colômbia torna-se peça central para Chávez. O conflito colombiano, por sua vez, parece aproximar irreversivelmente os dois países na busca de soluções coordenadas. A fronteira com a Venezuela é bastante sensível às conseqüências do transbordamento do conflito, partilhando questões como: desenvolvimento da zona de fronteira, a migração fronteiriça, o problema de dupla nacionalidade, a segurança, a cooperação judicial, a luta contra o tráfico transfonteiriço de ilícitos e a guerra revolucionária da Colômbia. Em 1990 ocorreu um importante encontro bilateral, em que foi delimitada uma agenda de prioridades em que a Venezuela se dispunha em trabalhar na cooperação sobre tráfico e também na cooperação e assistência em casos de emergência. De 1994 a 1999, diversos atos bilaterais fortaleceram a cooperação de ambos os países, convergindo seus interesses em manter negociação direta na busca por soluções. Usando também canais de diálogo existentes nos mecanismos bilaterais, como o Mecanismo de Incidentes Transfonteiriços, criado em 1997. Houve também enfoque no adensamento do uso de negociação de alto nível. Desde 1999, vários encontros presidenciais foram realizados. Apesar do comum alarde da mídia e da opinião pública, e também do alarde diante de pronunciamentos oficiais inflamados, há boas condições institucionais para alcançar soluções politicamente concertadas.

O tema dos limites das fronteiras entre os dois países permanece espinhoso, em 1964 a Colômbia definiu unilateralmente limites marítimos e submarinos em área petrolífera na vizinhança da Venezuela, o ranço quanto a essa atitude esteve até no discurso do golpe militar de 1992, realizado por Chávez. A negociação dos limites da fronteira terrestre se estendeu até 1941, e a necessidade de delimitação de maiores marcos fronteiriços na área de fronteira permanece atualmente como uma questão prioritária da agenda política bilateral. Pois a falta desses marcos adicionado ao intenso povoamento e conflito na região provoca ocasionalmente penetração em territórios do vizinho. As questões mais sensíveis a Venezuela, nessa fluidez do conflito são o comércio de contrabando, o desmatamento, as migrações, o povoamento irregular, o narcotráfico, os seqüestros, as incursões da guerrilha e a presença de cartéis narcotraficantes.

Relação particular entre o governo de Chávez e os atores do conflito colombiano

Os governos que antecederam Chávez consideravam a insurgência colombiana inimiga comum - da Colômbia e, por conseguinte, da própria Venezuela. Chávez em seu governo opta por insistir que a guerrilha é apenas inimiga da Colômbia. A opção por este tipo de aproximação se explica pela estratégia de assim afastar a guerrilha da fronteira e obter maior poder de barganha. Chávez também optou por se dispor firmemente como mediador do conflito. O ano de 2000 foi marcado por incidentes na fronteira e tensão nas relações bilaterais, também pelo ocorrido de uma negociação direta feita pela Venezuela com os líderes das FARC. Por certos momentos as comissões binacionais tiveram seus trabalhos congelados, dado a opinião pública que cada vez mais traduzia a ação de Chávez como apoio a guerrilha.

O tratamento singular que a Venezuela dá ao conflito é explicado pelo Chanceler Rangel como uma posição de não se envolver nas questões internas colombianas, no entanto, lida com as FARC e com a negociação de paz como se a organização tivesse o mesmo status político que o Estado Colombiano. Em determinados episódios o mesmo tratamento foi seguido pelo governo de Pastrana (Colômbia), quando o Estado e as FARC sentaram numa mesa de negociação.

A relação direta da Venezuela com as FARC é motivo de tensão entre os países, é traduzido como uma posição ambígua frente as partes do conflito. Ademais, a posição crítica da Venezuela diante do Plano Colômbia é também fator de tensão entre a relação dos vizinhos. Aqui é necessário esclarecer, que a versão original do Plano Colômbia negociado entre Pastrana e Clinton não continha em seu conteúdo o caráter de intervenção militar, mas sim se apoiava na idéia de que o conflito estava calcado na desigualdade social. Na versão americana, o plano é esvaziado na cooperação pelo desenvolvimento e mais de 80% do seu orçamento é destinado a ação militar. Com o temor da internacionalização do conflito, a Venezuela a iniciativa Norte Américo-colombiana como um erro estratégico. A oposição venezuelana ao Plano Colômbia tornou-se ainda mais forte com a subida de W. Bush ao poder. O presidente americano introduziu mudanças ao plano, ampliou o para um Plano América e terceirizou a operação militar.

Os fatos atuais como a suposta participação do governo venezuelano no resgate de Ingrid Betancourt, assim como as reações a morte de um membro das FARC no território Venezuelano podem ser analisadas considerando o caráter da relação que vem sendo construído entre os dois países ao longo desses últimos anos e décadas. As tensões recorrentes da particular relação entre os dois países parecem não ser suficientes para congelar de fato o diálogo político e econômico entre os vizinhos, assim mostram os dados. Na visão do chanceler venezuelano, Vicente Rangel, a relação atual com a Colômbia "é hoje mais digna, mais clara, mais transparente, às vezes mais emotiva, porém também porque é hoje mais afetiva."

Juliana P. N. Bessa