sábado, 1 de novembro de 2008

Internacionalização do Conflito - Relação entre os vizinhos, Venezuela e Colômbia.

Em uma discussão sobre o papel da Venezuela no conflito da Colômbia, é necessário inicialmente contextualizar a história política venezuelana. Durante décadas a Venezuela sofreu para consolidar uma estratégia de relacionamento com os seus vizinhos. Marcada por impulsos contraditórios, o Estado pendeu entre o desejo de controlar a cooperação e a integração na região, como também por escolher ignorá-la – fato que coincide também com as fases de aproximação e negação da influência norte-americana. Os dois movimentos da balança eram inspirados na auto-percepção de superioridade econômica - advinda do petróleo, como também da superioridade política, advinda da doutrina Betancourt – esta inspirada na promoção e reconhecimento dos ideais democráticos.

Depois de uma iniciativa frustrada de hegemonia regional nos anos 50, a Venezuela adere a um isolacionismo nas décadas seguintes. Nesse período torna-se indiferente a pactos regionais, ao mesmo tempo em que desaprova fortemente todos os governos não eleitos democraticamente, tanto de esquerda como de direita. O cenário muda em 1968 com o governo de Caldera Rodriguéz. É diminuída a rigidez da desaprovação dos seus vizinhos, comportamento antes inspirado na Doutrina Betancourt, e a partir dos anos 70 passa a criar laços com seus vizinhos. Em boa parte essa ação estava apoiada em aumentar o mercado consumidor do seu petróleo. No final da década de 80 a aproximação com os vizinhos fica mais evidente e o sonho bolivariano de liderar a região substitui a doutrina Betancourt.

Na era Chávez o desejo de liderança regional se torna ainda mais evidente. A Constituição da Republica Bolivariana da Venezuela recupera a idéia da Grã-Colômbia. Assim, a Colômbia torna-se peça central para Chávez. O conflito colombiano, por sua vez, parece aproximar irreversivelmente os dois países na busca de soluções coordenadas. A fronteira com a Venezuela é bastante sensível às conseqüências do transbordamento do conflito, partilhando questões como: desenvolvimento da zona de fronteira, a migração fronteiriça, o problema de dupla nacionalidade, a segurança, a cooperação judicial, a luta contra o tráfico transfonteiriço de ilícitos e a guerra revolucionária da Colômbia. Em 1990 ocorreu um importante encontro bilateral, em que foi delimitada uma agenda de prioridades em que a Venezuela se dispunha em trabalhar na cooperação sobre tráfico e também na cooperação e assistência em casos de emergência. De 1994 a 1999, diversos atos bilaterais fortaleceram a cooperação de ambos os países, convergindo seus interesses em manter negociação direta na busca por soluções. Usando também canais de diálogo existentes nos mecanismos bilaterais, como o Mecanismo de Incidentes Transfonteiriços, criado em 1997. Houve também enfoque no adensamento do uso de negociação de alto nível. Desde 1999, vários encontros presidenciais foram realizados. Apesar do comum alarde da mídia e da opinião pública, e também do alarde diante de pronunciamentos oficiais inflamados, há boas condições institucionais para alcançar soluções politicamente concertadas.

O tema dos limites das fronteiras entre os dois países permanece espinhoso, em 1964 a Colômbia definiu unilateralmente limites marítimos e submarinos em área petrolífera na vizinhança da Venezuela, o ranço quanto a essa atitude esteve até no discurso do golpe militar de 1992, realizado por Chávez. A negociação dos limites da fronteira terrestre se estendeu até 1941, e a necessidade de delimitação de maiores marcos fronteiriços na área de fronteira permanece atualmente como uma questão prioritária da agenda política bilateral. Pois a falta desses marcos adicionado ao intenso povoamento e conflito na região provoca ocasionalmente penetração em territórios do vizinho. As questões mais sensíveis a Venezuela, nessa fluidez do conflito são o comércio de contrabando, o desmatamento, as migrações, o povoamento irregular, o narcotráfico, os seqüestros, as incursões da guerrilha e a presença de cartéis narcotraficantes.

Relação particular entre o governo de Chávez e os atores do conflito colombiano

Os governos que antecederam Chávez consideravam a insurgência colombiana inimiga comum - da Colômbia e, por conseguinte, da própria Venezuela. Chávez em seu governo opta por insistir que a guerrilha é apenas inimiga da Colômbia. A opção por este tipo de aproximação se explica pela estratégia de assim afastar a guerrilha da fronteira e obter maior poder de barganha. Chávez também optou por se dispor firmemente como mediador do conflito. O ano de 2000 foi marcado por incidentes na fronteira e tensão nas relações bilaterais, também pelo ocorrido de uma negociação direta feita pela Venezuela com os líderes das FARC. Por certos momentos as comissões binacionais tiveram seus trabalhos congelados, dado a opinião pública que cada vez mais traduzia a ação de Chávez como apoio a guerrilha.

O tratamento singular que a Venezuela dá ao conflito é explicado pelo Chanceler Rangel como uma posição de não se envolver nas questões internas colombianas, no entanto, lida com as FARC e com a negociação de paz como se a organização tivesse o mesmo status político que o Estado Colombiano. Em determinados episódios o mesmo tratamento foi seguido pelo governo de Pastrana (Colômbia), quando o Estado e as FARC sentaram numa mesa de negociação.

A relação direta da Venezuela com as FARC é motivo de tensão entre os países, é traduzido como uma posição ambígua frente as partes do conflito. Ademais, a posição crítica da Venezuela diante do Plano Colômbia é também fator de tensão entre a relação dos vizinhos. Aqui é necessário esclarecer, que a versão original do Plano Colômbia negociado entre Pastrana e Clinton não continha em seu conteúdo o caráter de intervenção militar, mas sim se apoiava na idéia de que o conflito estava calcado na desigualdade social. Na versão americana, o plano é esvaziado na cooperação pelo desenvolvimento e mais de 80% do seu orçamento é destinado a ação militar. Com o temor da internacionalização do conflito, a Venezuela a iniciativa Norte Américo-colombiana como um erro estratégico. A oposição venezuelana ao Plano Colômbia tornou-se ainda mais forte com a subida de W. Bush ao poder. O presidente americano introduziu mudanças ao plano, ampliou o para um Plano América e terceirizou a operação militar.

Os fatos atuais como a suposta participação do governo venezuelano no resgate de Ingrid Betancourt, assim como as reações a morte de um membro das FARC no território Venezuelano podem ser analisadas considerando o caráter da relação que vem sendo construído entre os dois países ao longo desses últimos anos e décadas. As tensões recorrentes da particular relação entre os dois países parecem não ser suficientes para congelar de fato o diálogo político e econômico entre os vizinhos, assim mostram os dados. Na visão do chanceler venezuelano, Vicente Rangel, a relação atual com a Colômbia "é hoje mais digna, mais clara, mais transparente, às vezes mais emotiva, porém também porque é hoje mais afetiva."

Juliana P. N. Bessa


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