terça-feira, 2 de junho de 2009

Perspectiva Histórica das Relações Brasil - Cuba

José Joaquim G. da Costa Filho
O Ministro Celso Amorim chega à Assembléia Geral da OEA em Honduras, nos dias 02 e 03 de junho de 2009, defendendo um “enterro o mais burocrático possível” da decisão tomada pela organização em 1962, excluindo o governo de Cuba de participar de suas atividades. Ainda segundo o chanceler, esta decisão seria uma relíquia da Guerra Fria e, como não faz mais sentido falar em uma ameaça ideológica vinda da ilha caribenha, é preciso e possível anular a resolução de 1962. A reintegração do regime cubano à OEA seria outra questão. Para entender melhor esta posição do Ministro das Relações Exteriores Brasileiro, é essencial recorrer a um histórico das relações entre Brasil e Cuba.

Breve Histórico das Relações Brasil – Cuba desde 1959

Após a Revolução de 1959 em Cuba, o Brasil manteve uma posição de respeito em relação ao governo de Fidel Castro, baseada nos princípios de não-intervenção e autodeterminação. Este posicionamento não foi alterado nem mesmo com a frustrada tentativa norte-americana de invadir a Baía dos Porcos, em relação a qual o governo Quadros manifestou “profunda apreensão”. Ainda durante este governo, Che Guevara recebeu do presidente brasileiro a Ordem do Cruzeiro do Sul. Este ato gerou forte oposição doméstica a Quadros.

Em seguida, já durante o governo Goulart, o Brasil defendeu uma posição conciliadora durante a VIII Reunião de Consulta dos Ministros de Relações Exteriores da OEA, ocorrida em Punta del Este em janeiro de 1962. San Tiago Dantas propunha, por um lado, o respeito ao princípio de não-intervenção e, por outro lado, a neutralização do regime cubano por meio de um estatuto que regulasse as suas relações com o restante da América. A proposta brasileira não foi acolhida pelos demais países (nem por forças políticas internas), mas mesmo assim o chanceler se sentiu vitorioso pelo que não se aprovou em Punta del Este, como uma ofensiva militar ou sanções mais duras, e pelo reconhecimento que reivindicações sindicais não deveriam ser confundidas com movimento comunista.

A ata final da VIII Reunião de Consulta, dentre outras coisas: a) reconheceu e repudiou a ofensiva comunista na América; b) excluiu o governo de Cuba da participação no sistema interamericano, bem como da Junta Interamericana de Defesa (isto não significa a expulsão do país da OEA, apenas a exclusão de seu governo comunista); c) e suspendeu imediatamente o comércio e o tráfico de armas e material de guerra de todo gênero com Cuba. Os votos do Brasil, Argentina, México, Chile, Equador e Bolívia foram de abstenção.

O rompimento das relações diplomáticas com Cuba ocorreu no dia 13 de maio de 1964 durante o governo Castello Branco (1964-1967), primeiro presidente militar depois do golpe de 1964. Esta ruptura foi um reflexo da pressão doméstica das forças militares, pró-americanas e de direita, engajadas na eliminação de quaisquer atritos com os Estados Unidos, embora houvesse resistência do Itamaraty. Este ato foi acompanhado de uma acusação oficial de que Cuba estaria interferindo em assuntos internos por meio de uma aliança com grupos marxistas brasileiros. A justificativa para esta decisão foi baseada em argumentos ideológicos, a escolha marxista cubana teria excluído o país do “hemisfério livre”, e práticos, a comprovação do desembarque de armas provenientes da ilha na Venezuela.

Além disso, o Brasil aplicou as sanções previstas pelo artigo 8 do Tratado do Rio de Janeiro, apesar de ter se oposto a qualquer ação militar contra o regime de Castro, como previsto neste mesmo acordo. Dessa forma, o Brasil colaborou com a estratégia americana de isolamento de Cuba. Esta posição perdurou por todos os governos militares, inclusive durante a vigência do Pragmatismo Responsável de Geisel.

Durante o governo Figueiredo (1979-1985), foram dados os primeiros passos para a normalização das relações com Cuba. No entanto, estes foram passos lentos, pois ainda havia forte oposição a esta mudança dentro do Conselho de Segurança Nacional e do Congresso. Entre 11 e 15 de janeiro de 1982, ocorreu a primeira missão empresarial brasileira, chefiada pelo empresário Ruy Barreto, a visitar Cuba desde o rompimento de relações em 1964.

Após o restabelecimento das relações diplomáticas entre Brasil e Cuba, ocorrido durante o governo Sarney, as relações políticas e econômicas têm crescido nas duas últimas décadas. Grande impulso tem sido dado pelo governo Lula (2002-2010), que possui afinidades ideológicas com o regime de Raul Castro, irmão de Fidel Castro. No ano de 2006, por exemplo, o Brasil exportou US$ 343,25 milhões (os principais produtos foram açúcar, frango, café, carne bovina e produtos eletroeletrônicos) e importou US$ 31,59 milhões (os principais produtos foram materiais médicos, níquel, charutos e rum) de Cuba.

Bibliografia:
Cervo, Amado L. & Bueno, Clodoaldo (2002). História da Política Exterior do Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília.
Reportagem “Amorim defende ‘enterro burocrático’ do caso Cuba”. Folha de São Paulo (jornal impresso), 01/06/09.
Reportagem “Comércio entre Brasil e Cuba bate recorde e atinge quase US$ 400 milhões”. Agência Brasil (jornal online), 07/03/07.
Vizentini, Paulo Fagundes (1998). A política externa do regime militar brasileiro. Porto Alegre: Editora da Univ. Fed. Do Rio Grande do Sul.

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