sábado, 23 de maio de 2009

A “Terceira Onda de Terceirização” e suas implicações para a segurança internacional

Por José Joaquim Gomes da Costa Filho

As recentes aquisições de enormes porções de terras por nações exportadoras de capital em países pobres, denominadas pela revista The Economist como a “Terceira Onda de Terceirização”, representam um interessante fenômeno do atual contexto internacional. Por um lado, pode levar recursos a regiões tradicionalmente isoladas e muito pobres, mas, por outro, pode ter sérias implicações negativas nestes países, entre elas o aprofundamento de conflitos existentes em países como o Sudão ou a criação de novos.

Esta tendência é aparentemente uma resposta não só ao recente aumento nos preços dos produtos agrícolas, mas também às restrições à exportação destes produtos impostas por grandes países exportadores, como Índia, Ucrânia e Argentina. Outro motivo apontado é a crescente pressão por alimentos e terra agricultável das grandes populações chinesa e saudita.
Os principais investidores são China, Coréia do Sul e países do Golfo Pérsico - os principais exemplos são Arábia Saudita, Kuwait, Qatar e Bahrain. Já os países receptores dos investimentos, possuidores das terras disponíveis, são normalmente países pobres da África e do Sudeste Asiático (ver tabela: http://www.ifpri.org/pubs/bp/bp013Table01.pdf; e mapa: http://www.economist.com/displayImage.cfm?imageURL=http://media.economist.com/images/20090523/CIR962.gif).
Embora investimentos externos no setor agropecuário tenham crescido bastante nos últimos anos, o que chama atenção para esta nova tendência são a grande escala dos negócios realizados – calcula-se que involvam uma quantidade de terras equivalente às terras agricultáveis da França; o fato de os investimentos estarem voltados para a produção de produtos de alimentação básica e de biocombustíveis que serão majoritariamente exportados para os países investidores, ao contrário das tradicionais plantações de produtos mais lucrativos (banana, soja, café ou açúcar) voltados para o mercado internacional; e a natureza estritamente governamental da maioria dos contratos firmados em substituição aos já difundidos investimentos privados.
Não há dúvidas de que esta é uma oportunidade para reverter a ausência crônica de investimentos produtivos em muitas das áreas em questão. No entanto, é importante apontar os riscos deste novo fenômeno. O principal deles é o potencial de agravamento de conflitos existentes ou criação de novos.
Porque estes investimentos poderiam criar conflitos? O primeiro motivo para isto é o fato de que a maior parte da produção, ou mesmo a sua totalidade em alguns casos, será exportada para o consumo das populações dos países investidores. Dessa forma, pouco será direcionada às populações locais. Um segundo ponto é o fato de muitas das terras negociadas, embora sejam não-utilizadas segundo as informações governamentais, são áreas tradicionalmente usadas por grupos para sua subsistência. Além disso, há grande possibilidade que estes empreendimentos agrícolas tomem a forma de grandes plantations que contratam majoritariamente cidadãos dos Estados investidores, como já ocorre, por exemplo, no campo da exploração de petróleo por empresas chinesas na África.
Dessa forma, um desdobramento possível deste fonômeno é a criação de descontentamento e violência nas zonas recebedoras dos investimentos e o deslocamento de massas populacionais destas regiões para as cidades – outro elemento com grande potencial conflitivo. Descontentamento popular em relação a contratos desta natureza já puderam e podem ser observados em Madagascar, Zâmbia e Camboja. No caso de Madagascar, a recente queda do presidente está ligada à oposição da população relativa a um projeto de investimento sul-coreano na ilha.
Porque este fenômeno poderia agravar conflitos existentes? Neste caso, a grande preocupação está voltada para o Sudão. Como neste país há baixa transparência e alto índice de corrupção, o capital investido poderá ser direcionado para reforçar a estratégia governamental nos conflitos de Darfur e entre o Norte e o Sul do País.
Por fim, vale ressaltar que estes são apenas os primeiros passos desta nova tendência. Dessa forma, ainda há tempo de criar mecanismos para minimizar os possíveis riscos destes enormes investimentos e maximizar seus benefícios, principalmente, para as miseráveis populações locais. Caso isto seja feito, o que hoje é visto com precaução pode se tornar um suporte para a estabilidade e paz dos países receptores dos capitais.

Fontes:
“Land Grabbing” by Foreign Investors in Developing Countries: risks and opportunities. Policy Brief No. 13. Abril de 2009. Autores: Joachim von Braun and Ruth Meinzen-Dick. Disponível em: http://www.ifpri.org/pubs/bp/bp013.asp.
Outsourcing’s third wave: buying farmland abroad. The Economist, 21/05/09. Disponível em: http://www.economist.com/world/international/displaystory.cfm?story_id=13692889.

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