sábado, 30 de maio de 2009

“O Último Rei da Escócia” e o direito internacional – Parte II: a não-intervenção

Por Denise Galvão

Quanto à não-intervenção internacional, há dois casos durante o governo Idi Amin, um dos quais aparece no filme “O último rei da Escócia” (The Last King of Scotland, Reino Unido, 2006).
O primeiro trata da intervenção militar israelense para resgatar seus cidadãos, reféns do seqüestro do avião da Air France, que voava de Israel para Paris, com 250 pessoas a bordo, por sete militantes palestinos, em 27 de junho de 1976. Amin deu proteção aos seqüestradores, que desviaram o vôo para pousar Entebbe, na cercania de Kampala. Os palestinos pretendiam trocar a liberdade dos reféns pela de 53 militantes presos em Israel e outros países. Em 1 de julho, os reféns não-judeus foram liberados, como mostra o filme. Para resgatar seus 100 cidadãos no aeroporto, Israel realizou uma operação militar, em 4 de julho, quando três aviões com 200 militares de elite atacaram. De 20 a 40 soldados ugandenses e todos os seqüestradores, além de três reféns e do comandante militar israelense, foram mortos na operação. Dois aviões Boeing 707 fizeram o transporte dos reféns.1
Israel alegou que o direito internacional permitia recorrer à força para proteger cidadãos nacionais no exterior quando o país onde corriam perigo não se mostrasse capaz ou disposto a fazê-lo. Dois projetos de resolução foram apresentados no Conselho de Segurança das Nações Unidas. O primeiro, redigido pela Grã-Bretanha e pelos Estados Unidos, condenava o seqüestro e exortava os países-membros a preveni e punir todo ataque terrorista dessa natureza. Esta resolução foi levada a votação, mas não obteve os nove votos necessários, no total de 15. [...]
O segundo projeto de resolução, apresentado por Benin, Líbia e Tanzânia, condenava a violação da soberania e da integridade territorial de Uganda, exigindo que Israel pagasse indenizações por todos os danos causados. A resolução sequer chegou a ser levada a votação. A reação dos países que não integravam o Conselho de Segurança também foi de confusão e reserva, indicando a generalizada aceitação tácita da alegação israelense.2
Para Michael Byers, o incidente de Entebbe representa contribuição para uma relativa extensão do direito de legítima defesa nas relações internacionais, passando a incluir a proteção de nacionais no exterior, desde que condicionado aos critérios de necessidade e proporcionalidade do uso da força militar.
O segundo caso, que marca o fim do governo de Idi Amin, é a intervenção militar da Tanzânia contra Uganda, após os ataques de Amin ao território tanzaniano, em 1978. Exilados políticos ugandenses e tropas tanzanianas invadiram Uganda, com apoio militar da Líbia, derrubando Amin e forçando-o ao exílio, em 1979. O presidente da Tanzânia, Julius Nyerere, proveu apoio militar ao novo governo em Kampala – que restabeleceu Obote no poder –, e manteve suas tropas ocupando o país vizinho por cerca de dois anos e meio.
A Tanzânia alegou que a intervenção em Uganda consistiu em uma ação de autodefesa, em face da agressão de Uganda, cujas tropas tentaram anexar parte do território da Tanzânia. Nesse caso, pode-se contestar a proporcionalidade do uso da força pela Tanzânia, em relação ao objetivo da legítima defesa, pois a ação passou de defensiva para ofensiva, e de invasão para ocupação duradoura. A norma da não-intervenção admite a exceção da autodefesa ante um ataque armado, segundo os critérios da necessidade e da proporcionalidade. A maioria dos países aceitou a alegação tanzaniana, quase sempre em caráter tácito. A Assembléia Geral concedeu credenciais ao novo governo de Uganda menos de seis meses depois da derrubada de Amin, o que demonstra o reconhecimento internacional.
Amin fugiu para a Líbia, em seguida para o Iraque e para a Arábia Saudita, onde faleceu em 2003, aos 80 anos.

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Notas:
1 Cf.: “1976: Israelis rescue Entebbe hostages”. BBC News. Disponível em: Acesso em: 24/05/2009.
2 BYERS, Michael. A lei da guerra: direito internacional e conflito armado. Rio de Janeiro: Record, 2007. pp. 76-77.

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