segunda-feira, 4 de maio de 2009

O Combate ao Narcotráfico no México

Por Isabelle Araujo

Quando assumiu o poder, em dezembro de 2006, o presidente mexicano, Felipe Calderón, tomou uma posição de enfrentamento ao narcotráfico em seu país. Desde então, foram enviados mais de 45.000 soldados para as regiões de maior atuação do narcotráfico. No inicío de 2008, a guerra se intensificou ainda mais com novas investidas do governo federal, o que provocou a fragmentação de vários grupos e o consequente aumento da violência nessas regiões. Foi, então, que o assunto se tornou recorrente nas páginas de periódicos internacionais e começou a despertar a atenção de grupos da sociedade civil internacional.

Por estar bem próximo a dois dos maiores mercados consumidores de maconha e cocaína do mundo, Estados Unidos e Canadá, e próximo às mais importantes regiões produtoras dessas drogas na América do Sul, o país é, já há muitos anos, um dos mais significantes entrepostos do tráfico internacional de drogas ilícitas. Colômbia, Bolívia e Peru são os maiores plantadores de coca e maiores produtores de cocaína do mundo. Em 2007, a produção potencial de cocaína desses países foi de, respectivamente: 600, 290 e 104 toneladas. Segundo dados do UNODC (United Nations Office on Drugs and Crime), os Estados Unidos, ao lado da Espanha, é percentualmente o maior mercado consumidor de cocaína, sendo o índice de usuários da droga 3% do total da população entre 15 e 64 anos (dados referente à 2006). O Canadá vem logo em seguida com 2.3% de usuários nessa mesma faixa de idade (dados referentes à 2004). Já a maconha é consumida nos EUA por 12.2% e no Canadá por 17% da população entre 15-64 anos. Em porcentagem, EUA e Canadá não estão no topo do consumo desta droga, estando atrás de Papua Nova Guiné (29.5%) e Micronésia (22.5%), por exemplo. Contudo, por terem maior população total do que os outros países, o volume de maconha consumido nos EUA e Canadá são os maiores do mundo. O México também é um importante mercado para esses ilícitos, porém, muito menos expressivo que seus vizinhos com 3% da população entre 15-64 anos usuária de maconha e 0.8% usuária de cocaína (dados de 2006). O mapa da página 106 do Relatório da UNODC (que pode ser acessado através do link no final deste post) mostra como o México, e também países da América Central, são importantes exportadores de maconha para os EUA e Canadá. Toda maconha consumida nesses dois países tem sua origem no próprio continente. No mapa é possível observar que o México é o maior exportador desta droga no mundo (o volume de exportação é medido em toneladas e calculado através das apreensões feitas nessas rotas de tráfico). O México também é importante exportador de cocaína proveniente dos Andes, que é exportada por via terrestre através da fronteira com os EUA e também por via naval, por barcos e submarinos artesanais nas aguás do Golfo do México (ver mapa pg.83 do Relatório), que posteriormente passa dos EUA para o Canadá.

A cidades mexicanas que fazem fronteira com os Estados Unidos são atualmente as que apresentam maiores desafios para o governo central. Os cartéis cresceram principalmente durante o governo do PRI (Partido Revolucionário Institucional), que governou a contestável democracia mexicana por 71 anos. Nesse período, os governos estaduais toleravam a venda de drogas por traficantes locais. Os cartéis de drogas da região, então, se aproveitaram dos longos anos de ausência do Estado, de uma justiça leniente e de uma polícia corrupta para imprimir força e poder e se articular com gangs receptoras em estados americanos do outro lado da fronteira.

A revistá Época de 13 de março de 2009 divulgou uma extensa reportagem sobre a guerra de enfrentamento do exército mexicano contra os narcotraficantes iniciada pelo presidente Felipe Calderón, na qual apresenta um mapa das principais regiões de confrontos e as áreas controladas pelos chamados “narcoestados mexicanos” (para ver o mapa e a reportagem acesse o link no final desse post). Essas regiões se extendem por vastas porções do território mexicano, mas principalmente nas áreas litorâneas dos país, tanto do atlântico quanto do pacífico e são controladas por cinco cartéis: de Areliano Félix, no extremo norte do país na fronteira com o estado americano da Califórina; Carrillo Fuentes, no centro-norte, também na fronteira com os EUA; Los Zetas ou Cartel do Golfo, que se estende por todo litoral atlântico, da fronteira com os EUA até a península de Yucatán; Joaquín Gusmán e Beltrán Leyva que dividem o litoral pacífico, o primeiro no centro-oeste do país e o segundo mais ao sul.

Na guerra contra o narcotráfico já morreram 10 mil pessoas (entre civis, narcotraficantes e militares) desde que os enfrentamentos começaram em dezembro de 2006. Os EUA prometeram, em abril deste ano, ajudar seu vizinho enviando tropas e agentes federais, mas o que o governo de Caldrón pede é para que os EUA proíba a venda de armas (especialmente fuzis), porque estas são adquiridas pelos cartéis mexicanos em lojas de armas em território americano. Calcula-se que o tráfico de drogas no México movimente cerca de US$ 10 bilhões por ano, segundo a Procuradoria Federal do país, o que representa mais de 1% do PNB mexicano.

Um dos principais problemas nesta guerra é o despreparo do exército em atuar no combate ao tráfico de drogas. Os confrontos se dão em áreas de extrema sensibilidade por serem regiões pobres e permeadas por civis, formando zonas de combate de guerrilha. Uma das principais funções desempenhadas pelas forças armadas nesses locais é a de controle da violência urbana, em ações características da atividade policial. Contudo, por não estarem preparados para tais tarefas os soldados estão sujeitos a dois principais problemas: se envolverem com o tráfico de drogas (aumentando a corrupção no Estado) e também a cometerem abusos e excessos não apenas contra narcotraficantes, mas principalmente contra a população civil. Tais problemas ocorrem no México e tem sido amplamente divulgados pela mídia internacional, o que suscitou a publicação de um relatório sobre a atuação do exército mexicano pelo Human Rights Watch (http://www.hrw.org/en/reports/2009/04/28/uniform-impunity). O mesmo pode acontecer com outros exércitos que procuram executar tal tarefa e provavelmente aconteceria no Brasil caso o exército brasileiro fosse chamado a atuar nas favelas cariocas, simplesmente porque os papéis de exército e polícia são distintos e a formação de tropas é inadequada para esse tipo de atuação.

Em recente conversa com uma mexicana, obtive a informação de que a guerra contra o tráfico no México não é tão ameaçadora como se faz parecer. Segundo ela, que mora na Cidade do México, muito se fala dos confrontos mas para a maioria dos mexicanos não há sensação de medo ou insegurança no país, por serem as regiões de confrontos distantes da capital. Fazendo uma analogia, talvez esta seja a mesma sensação sentida por um brasileiro que nunca esteve no Rio de Janeiro e sabe da violência na cidade apenas por meio de noticiários. Para muitos cariocas (pelo menos os que não moram em favelas) a violência é bem menor do que parece. Resta saber se as pessoas que moram nas regiões de confronto, tanto no México, quanto no Brasil, pensam o mesmo, pois não há como medirmos o nível de opressão exercida pelo tráfico de drogas sobre tais populações. Por ser um tipo de violência menos concentrada, portanto mais diluída na sociedade, tem-se a idéia de que o problema não é tão grave. Mas muitos analistas hoje comparam a guerra contra o narcotráfico no México às zonas de guerra no Iraque e Afeganistão. O país é atualmente campeão em sequestros, militares e civis são mortos quase que diariamente e políticos assassinados (11 até agora). Vários outros políticos receberam ameaças de morte e o PAN (Partido de Ação Nacional) não apresentou candidatura para as eleições municipais de julho. A reportagem da revista Época ilustra inúmeros casos de violência nas regiões mais perigosas do país.

A economia mexicana, que já vinha apresentando fraquezas estruturais nos últimos cinco anos, sofre ainda mais com esta guerra. O crime e a violência tiveram impacto negativo sobre a economia, que passou a receber cada vez menos investimentos externos, especialmente nos últimos 2 anos. A crise financeira mundial também gerou grande instabilidade no país. E agora, com a Gripe Suína (ou Gripe A/H1N1) ocorre significativa diminuição do comércio e do turismo. Certamente o México está passando por tempos ruins e dependerá muito da solidez de suas instituições para reverter este quadro.

A confrontação é a estratégia ideal contra o tráfico de drogas no México?
O fato é que Calderón está sem melhores alternativas diante do poder militar e financeiros dos cartéis e da incompetência de suas polícias. Contudo, essa não deve ser a única atitude tomada pelo governo, sendo apenas emergencial. É necessário prosseguir com a reforma judiciária iniciada pelo atual governo e reduzir a corrupção tanto no pode legislativo quanto no poder executivo. O ideal é que se treine uma força policial para reassumir suas funções no controle da ordem social e se faça uso os agentes federais para combater o narcotráfico. Desse modo, o exército voltará a exercer suas funções habituais e, ao invés de contribuir para o enfraquecimento do Estado, atuará na sua proteção.


Informações e dados obtidos em:

UNODC. World Drug Report 2008. Arquivo em pdf: http://www.unodc.org/documents/wdr/WDR_2008/WDR_2008_eng_web.pdf

Revista Época. (13/03/2009). O tráfico de drogas destrói o México. Acessado em: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI63957-15227-1,00-O+TRAFICO+DE+DROGAS+DESTROI+O+MEXICO.html

Economist.com. (02/04/2009). Taking on the narcos, and their American guns. Acessado em: http://www.economist.com/world/americas/displaystory.cfm?story_id=13415531

Banco Mundial: www.worldbank.org

Nenhum comentário: