domingo, 24 de maio de 2009

“O Último Rei da Escócia” e o direito internacional – Parte I: os direitos humanos

Por Denise Galvão

O filme Último Rei da Escócia (The Last King of Scotland, Reino Unido, 2006, dirigido por Kevin Macdonald), exibe um enredo inspirado em fatos da história social e política de Uganda, localizado na região dos Grandes Lagos, na África, entre 1971 e 1976. O personagem principal é Idi Amin (interpretação premiado por Oscar de Forest Whitaker), um dos ditadores que lideraram recém-estabelecidos Estados africanos durante o período da ordem internacional bipolar.
Amin ascendeu ao poder por meio de um golpe de Estado, contra o governo militar antecessor (Milton Obote, 1966-1971), de que já participara, como chefe de Exército. O governo Amin suscita algumas questões relacionadas a princípios do direito internacional: a promoção dos direitos individuais fundamentais e a não-intervenção nos assuntos internos dos Estados.
“O último rei da Escócia” evidencia variadas violações de direitos humanos – políticos, civis, sociais, econômicos, culturais –, tanto por ação, como por omissão do poder público.
Uganda só aderiu o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966, em 1995. Enquanto isso, durante o governo Amin, muitos direitos sequer eram reconhecidos pelas leis nacionais e não havia garantia de que se alguém sofresse violações teria remédio efetivo, a partir do acesso à justiça.
O governo não respeitava a liberdade de opinião e praticava perseguição política de seus opositores, com truculência. Aos suspeitos de participação na oposição, era negado o direito à vida e à proteção judicial, sendo arbitrariamente privados da vida. Estima-se que entre 100 mil e 300 mil ugandenses tenham sido torturados e mortos durante sob a liderança carismática de Amin.
Além disso, pelo caráter ditatorial do governo, aos cidadãos era negado o direito a participar da vida política do país. O judiciário não era imparcial, como ilustra a menção ao desaparecimento forçado de um juiz da Corte Suprema que havia realizado um voto contrário aos interesses do presidente. Aos indivíduos associados a Obote não era assegurado julgamento segundo as normas do devido processo legal.
À mulheres não eram assegurados direitos iguais aos dos homens, como demonstra a prática da poligamia masculina. Indivíduos eram discriminados por sua nacionalidade, ao determinar a expulsão das pessoas de origem em países asiáticos de Uganda.
Em relação ao médico escocês do filme, Dr. Nicholas Garrigan, pode-se observar desrespeito a direitos de um indivíduo fora do seu Estado de nacionalidade. Ao intencionar partir de Uganda, Nicholas foi impedido de deixar o país, para retornar ao seu país de origem. Sua privacidade foi violada, e ele foi privado do porte de seu documento de viagem – o passaporte. Adicionalmente, sofreu tortura.
Já o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, foi objeto de adesão de Uganda em 1987. Portanto, na época de Amin, Uganda ainda também não tinha responsabilidade internacional por garantir esses direitos. Assim, a satisfação dos direitos básicos a alimentação, vestuário e moradia era muito desigual, entre a capital Kampala e as vilas no interior, entre as pessoas ligadas ao governo e o resto da população.
Devido ao patrimonialismo imperante no governo Amin, o governo ugandense não desempenhava as medidas necessárias para progressivamente, na medida dos recursos disponíveis, realizar esses direitos, sem discriminação. Por exemplo, em relação ao hospital Mulago, que havia sido o mais bem equipado da África Subsaariana à época de sua inauguração, em 1962, os descuidos e as falhas gerenciais levaram-no ao caos, em 1980.1

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Notas:
1 “African apocalypse”.
New York Times (Late Edition - East Coast). New York, N.Y.: Nov 16, 1980. pg. A.77.

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