quarta-feira, 6 de maio de 2009

As Percepções do Governo de George W. Bush sobre a Não-Proliferação Nuclear

por Diogo Ramos Coelho

Em 11 de Fevereiro de 2004, em discurso proferido na Universidade de Defesa Nacional, em Washington, o presidente George W. Bush afirmou que “a maior ameaça perante a humanidade hoje é a possibilidade de um secreto e repentino ataque com armas químicas ou biológicas ou radiológicas ou nucleares”.[1] O presidente ainda concluiu que

há um consenso entre as nações que a proliferação não pode ser tolerada. No entanto esse consenso significa pouco, caso não possa ser traduzido em ação.  [...] Esses materiais e tecnologias, e as pessoas que os traficam, atravessam muitas fronteiras. Para impedir o comércio dessas armas, as nações do mundo devem ser fortes e determinadas.”[2]

As principais diretrizes do governo Bush para conter a proliferação de armas de destruição em massa foram delineadas na National Strategy to Combat Weapons of Mass Destruction (WMD), anunciada em dezembro de 2002.  O documento ressaltava que,

nós sabemos pela experiência que não podemos sempre ser bem sucedidos em prevenir e em conter a proliferação de ADM a Estados hostis e terroristas. Portanto, militares dos EUA e as agências civis especializadas devem possuir maior abrangência de capacidades operacionais para conter a ameaça e uso de ADM por Estados e terroristas contra os EUA, nossas forças militares, amigos e aliados. [3]

A estratégia anunciada em 2002 enfatizava a necessidade dos EUA e aliados disporem de mecanismos de defesa – inclusive a posse de armas de destruição em massa – para deter os seus inimigos, sejam eles outros Estados ou grupos não-estatais.

Analistas como George Perkovich, do Carnegie Endowment for International Peace, por outro lado, concordam que o regime de não-proliferação nuclear foi, em grande parte, eficaz em prevenir a proliferação de armas nucleares durante as décadas em que esteve em vigor, mas que precisa ser fortalecido para enfrentar as novas circunstâncias e desafios.

Desde que o TNP foi assinado em 1968, somente cinco Estados desenvolveram condições necessárias para adquirir armas nucleares:  Índia, Paquistão, Israel, África do Sul e, presume-se, Coréia do Norte. Os três primeiros nunca assinaram o tratado. África do Sul desistiu de suas armas e assinou o TNP como um Estado não-nuclearmente armado. Coréia do Norte, que assinou o TNP em 1985, retirou-se do mesmo em 2003, realizou testes nucleares em 2006 e, desde então, usa seu programa nuclear como moeda de barganha em troca de ajuda financeira, econômica e na produção de energia.

Ainda, Argentina, Brasil, Coréia do Sul e Taiwan cessaram seus respectivos programas nucleares com o passar dos anos. Bielorrússia, Cazaquistão e Ucrânia herdaram armas nucleares da União Soviética, mas abdicaram de sua posse para aderir ao TNP. O sucesso do TNP pode também ser evidenciado por sua influência nos resultados da política nuclear de diversos Estados: se olharmos para os acontecimentos históricos nas relações internacionais desde a década de 1970, praticamente todos os indicadores apontavam para uma maior proliferação de armas de destruição em massa – em especial armas nucleares. O tratado obrigou os países a fazer uma declaração de suas intenções nucleares. O TNP transformou a questão nuclear de uma “questão de defesa” para uma “questão de política externa”. Ainda, influenciou processos de tomada de decisões por meio de, por exemplo, retirar a alternativa “mantenha aberta a opção de construir uma bomba” que militares e políticos advogavam.[4]

Hoje, novas dinâmicas e novas ameaças no que diz respeito à proliferação de armas nucleares podem hoje ser observadas na forma de: 1) ameaças à segurança internacional por parte de atores não estatais, tal como por grupos terroristas; 2) procura por armas nucleares no mercado negro; 3) programas nucleares “clandestinos” em determinados Estados, tal como o caso do Irã e Coréia do Norte; 4) Estados desenvolvendo mecanismos de enriquecimento de material nuclear que possam levar à construção de armas nucleares; 5) programas de desenvolvimento de armas nucleares nos três Estados não-signatários do TNP – abertamente declarados, como nos casos de Índia e Paquistão, ou “opaco”, mas percebido como significante, como no caso de Israel; 6) a existência de grandes arsenais nucleares entre os cincos Estados nuclearmente armados reconhecidos pelo TNP; e 7) o crescente número de políticas que associam grandes níveis de poder militar, de segurança ou poder político com armas nucleares.[5]

A emergência de novos casos de proliferação entre Estados e grupos inimigos dos EUA, como nos casos da Coréia do Norte, Iraque e Irã, levou o governo Bush à percepção de que “a não-proliferação tradicional falhou”.[6] No discurso proferido em fevereiro de 2004, o presidente ressaltou:

O Tratado de Não-Proliferação Nuclear foi concebido há mais de 30 anos para prevenir a proliferação de armas nucleares para além daqueles Estados que já as possuem. Sob as regras do tratado, Estados nuclearmente armados aceitaram ajudar Estados não-nuclearmente armados a desenvolver energia atômica pacífica caso eles renunciem à busca por armas nucleares. Mas o tratado possui uma lacuna que tem sido explorada por nações como a Coréia do Norte e Irã. Esses regimes são autorizados a produzir material nuclear que pode ser usado para construir bombas sob a cobertura de programas nucleares civis.[7]

Para ex-oficiais da Casa Branca, como Robert Joseph (ex-oficial sênior de contra-proliferação do Conselho de Segurança Nacional), Douglas Feith (ex-vice-secretário de Defesa), John Bolton (ex-subsecretário de Estado e ex-representante dos EUA na ONU) e Stephen Cambone (ex-subsecretário de defesa), armas nucleares não são um “problema em si” – a posse dessas armas por grupos ou Estados inimigos dos EUA é que é o verdadeiro problema. O objetivo principal não é o desenvolvimento de um regime que ativamente desvalorize a posse de armas nucleares ou que crie as condições para sua eventual erradicação, mas sim impedir que elas caiam nas mãos de Estados ou grupos inimigos. Esses atores não serão constrangidos por regras ou tratados. Dessa forma, a única forma de impedi-los de adquirir armas nucleares é por meio do poder: removendo regimes inimigos e erradicando o terrorismo. Por sua vez, os EUA e seus aliados deverão estar livres de restrições para que possam assegurar sua defesa.

Essas percepções acabaram por enfraquecer ainda mais o regime de não-proliferação nuclear. Resta-nos saber o impacto delas nas diretrizes que serão adotadas pela conferência de revisão do TNP em 2010 e os efeitos que o Governo Obama terá no fortalecimento ou enfraquecimento do regime.



[2] Ibidem.

[4] WALSH, Jim. Learning from Past Success: The NPT and the Future of Non-proliferation, p. 42.

[5] JOHNSON, Rebecca. Is the NPT up to the challenge of proliferation?, p. 10

[6] PERKOVICH, George. Bush's Nuclear Revolution: A Regime Change in Nonproliferation. Disponível em: http://www.foreignaffairs.org/20030301facomment10334/george-perkovich/bush-s-nuclear-revolution-a-regime-change-in-nonproliferation.html?mode=print 

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