terça-feira, 20 de novembro de 2007

Paper: Conflitos em Debate

A Crise Humanitária em Darfur


Introdução

Por Isabelle Araujo
Desde o começo de 2003, as forças armadas do Sudão e a milícia conhecida como Janjaweed – apoiada pelo governo sudanês, e composto majoritariamente por soldados de origem nômade – conflagaram um conflito armado contra dois grupos rebeldes na região sudanesa de Darfur: o Exército de Libertação Sudanês (SLA, sigla em inglês) e o Movimento pela Justiça e Igualdade (IEM, sigla também em inglês). O objetivo político dos grupos rebeldes é forçar o governo sudanês a tratar dos problemas de subdesenvolvimento e marginalização política da região. Em resposta a essas reivindicações, o governo e o Janjaweed têm utilizado a população civil e grupos étnicos (Fur, Manalit e Zaghawa) como alvo de suas investidas militares, já que eles oferecem suporte aos rebeldes.

Em 30 de julho de 2004, o Conselho de Segurança das Nações Unidas adotou a resolução 1556 exigindo que o governo sudanês desarmasse o Janjaweed, porém nada foi feito. Devido à grande pressão internacional foi assinado em maio de 2006 um acordo de paz entre o governo sudanês e uma das facções rebeldes. Mais uma vez, várias de suas determinações não foram cumpridas. Em 31 de agosto de 2006, o Conselho de Segurança da ONU deu um passo importante ao adotar a resolução 1706, a qual autoriza o envio de uma força de paz mais ostensiva. Segundo tal resolução, determina-se o deslocamento de tropas da ONU à região. Depois de grande resistência, o governo sudanês concordou com o envio destas tropas, mas sobre certas condições.

Desde então, poucos progressos foram visto com relação à questão no âmbito das Nações Unidas. O Conselho de Segurança tem apenas adotado os relatórios do Secretariado-Geral (resoluções 1755, 1769 e 1784 de 2007) , mas nenhuma resolução definitiva foi proposta. Ao mesmo tempo, aumentam as pressões internacionais por parte de governos e organismos internacionais. Há que se salientar, porém, que as pressões da ONU carecem de consistência interna, já que parte dos entraves são conseqüência de incongruências dentro do Conselho de Segurança advindas da resistência de China e Rússia em apoiar a resolução que prevê o envio de tropas de paz.

Como resultado deste conflito, que já dura quase cinco anos, vários vilarejos rurais foram queimados e destruídos e dezenas de milhares de pessoas foram mortas. Somando-se a esse quadro extremo de violência, tem-se o fato de que milhares de mulheres e meninas estão sujeitas a sofrer violência sexual nas regiões dos campos de refugiados. Estima-se que 2 milhões de civis inocentes tenham sido forçados a abandonar suas casas, muitos dos quais procuram abrigo no país vizinho, Chad. Atualmente, 3.5 milhões de pessoas dependem exclusivamente de ajuda humanitária para sobreviver. Esses dados alarmantes provam que este conflito é ainda mais extenso que o genocídio acorrido em Ruanda (1994).


Educação
Por Juliana Bessa
A educação se faz de extrema importância e tem caráter emergencial na atual situação do conflito em Darfur. Ela possui o poder de estruturar, estabilizar e trazer de volta o sentido de normalidade para aquelas que constituem uma das maiores vítimas da guerra - as crianças, principalmente aquelas que tiveram experiências traumáticas durante este período. Além disso, provê informações essenciais que ajudam a conviver com os problemas atuais, como prevenção do vírus da AIDS. A educação pode ser também elemento de construção da paz na medida em que ela ensina a tolerância e os valores em direitos humanos, dessa forma dá-se uma chance à reconciliação e abre-se a oportunidade para o processo de integração com o fim de formar uma sociedade estável e ordenada.
Atualmente Darfur conta com poucas escolas, quando existentes tais instituições sofrem com superlotação, falta de infraestrutura e de programa de treinamento adequado. Há ainda problema de remuneração de professores e falta de material básico. Os salários dos professores é um dos pontos mais contenciosos, a remuneração paga pelo governo é demasiada pequena para a sobrevivência e, como se não bastasse, ainda não é paga regularmente. O governo, por sua vez, reluta em aceitar o trabalho de professores voluntários de ONGs, pois delimita que a educação deve inicialmente ser realizada em árabe, segundo preceitos do Corão, mesmo havendo boa parte de deslocados cristãos.
Apesar do esforço de organizações humanitárias e comunidades locais, é estimado que em Darfur apenas 28% das crianças em idade escolar freqüentem a escola. No entanto, apesar das baixas taxas o número de meninas que freqüentam uma escola atualmente é o maior já registrado. Por volta de 70% e 80% da população dos campos são mulheres e crianças. De acordo com a UNICEF, mais de um milhão de deslocados são crianças abaixo de 18, sendo 320 mil crianças com idade abaixo dos cinco anos. No que diz respeito à situação dos jovens deslocados, a situação é ainda pior, sem acesso a escolas secundárias, pois são consideradas luxo na situação de conflito, eles possuem poucas chances de continuar os estudos, visto que para isso dependem de transporte para cidades próximas e dinheiro para mensalidade escolar. Essa geração estará vulnerável a exploração e será mais facilmente envolvida em casos de violência.
Após quatro anos de conflito, a postura da comunidade internacional com relação à Darfur é restrita a uma idéia limitada de ajuda humanitária, que não prioriza a área educacional. Normalmente, do total do fundo, não mais que 2% é dirigido à educação. Considerando que a educação é a chave para restaurar a esperança a Darfur é crucial que nesse momento, a ajuda humanitária integre a área de educação e possa coordenar-se com atividades de desenvolvimento de longo prazo.


Grupos Rebeldes
Por Denise Galvão

No início do conflito, havia apenas dois grupos rebeldes principais: o Exército/Movimento de Libertação Sudanês (SLA/M) e o Movimento pela Justiça e Igualdade (JEM). Este último grupo foi fundado por mulçumanos de Darfur fiéis ao líder islâmico Hassan al-Turabi, cujo partido apoiou o golpe de 1989 do presidente Omar al-Bashir. O primeiro grupo teve uma origem diferente. Ele formou-se inicialmente como uma milícia de auto-defesa da etnia Fur em resposta a distúrbios posteriores a um grande período de fome na região em 1987.
Com o desenrolar do presente conflito, estes grupos foram se fragmentando em novos grupos. Esta fragmentação originou-se em grande parte por disputas de poder internas entre os principais líderes destes dois grupos iniciais. Dessa forma, houve uma grande diversificação dos modos de agir e pensar dos grupos rebeldes em Darfur em contraposição à anterior unidade característica destes grupos. Entre os principais grupos que se desmembraram do Exército/Movimento de Libertação Sudanês (SLA/M), temos a facção SLM-Minni, SLM-Abdel Wahid e SLM-Unity. No caso do Movimento pela Justiça e Igualdade (JEM), pode-se citar como principais grupos desmembrados o National Movement for Reform and Development e o Jem Peace Wing. Além destes, ainda existe um número considerável de pequenas facções que surgiram durante os últimos desdobramentos do conflito.
Este aumento no número de grupos rebeldes atuando na região de Darfur resulta num aprofundamento da complexidade do conflito em Darfur. Além disso, o conflito entre estas diferentes facções gera maior instabilidade para a região e dificuldade em alcançar uma paz que satisfaça a todos. Nas últimas negociações de paz realizadas na Líbia, ficou evidente esta grande fragmentação do movimento rebelde em Darfur. Houve uma diversidade de opiniões acerca destas negociações e percebeu-se que, por enquanto, remotas são as chances de colocar todos os grupos numa mesma mesa de negociação com o governo.


O Papel da União Africana

Por José Joaquim

Embora uma organização regional nova – seu ato constitutivo data de 2002 – a União Africana (UA) nasceu da mutação da Organização da Unidade Africana, herdando toda a sua tradição de valorização do princípio da autodeterminação dos povos e preservação dos limites territoriais entre os Estados do continente. Por um lado, prevê-se o direito da União a intervir em um membro, de acordo com decisão da Assembléia, em graves circunstâncias (crimes de guerras, genocídio, crimes contra a humanidade); por outro, reconhece-se o direito dos membros a requerer intervenção da União para restaurar a paz e a segurança. O Conselho de Paz e Segurança da UA é responsável por funções como diplomacia preventiva, peace-making, operações de apoio à paz e intervenção, peace-building, reconstrução pós-conflito e ação humanitária.
Ante a relutância do Conselho de Segurança das Nações Unidas em dirigir esforços à resolução da crise humanitária na região de Darfur, que não comprometia interesses vitais dos membros-permanentes nem de possíveis contribuintes de tropas para uma missão da ONU, a alternativa africana foi escolhida para a gestão do conflito, de modo que foi enviada a African Mission in Sudan (AMIS), com 7 mil peacekeepers. Foi a segunda experiência de uma força multinacional africana. Contou com apoio financeiro da União Européia, logístico da OTAN e político formal do governo do Sudão. Não obstante, considerando as motivações da necessidade de uma intervenção para interromper ou, ao menos, minimizar os impactos da perseguição dos civis por grupos armados apoiados pelo governo central sudanês, pode-se afirmar que na montagem da AMIS há um erro de concepção que limita sua efetividade desde a origem. A opção do possível ante o ideal revela um grau de pragmatismo na decisão de intervir no Sudão.
Adicionalmente, houve outros obstáculos ao êxito da missão, como o número insuficiente de capacetes-verdes, como ficaram conhecidos, nas diversas localidades de Darfur, especialmente nas mais distantes, além da crescente quantidade de refugiados e de deslocados internos, do envolvimento do Chad no conflito armado e da dificuldade para obtenção de novas fontes de recursos e tropas qualificadas para a missão. Assim, a AMIS entrou em crise entre o final de 2005 e o início 2006, incapaz de conter a insegurança. Isso aprofundou o debate sobre o envio de uma missão sob a égide das Nações Unidas. A Resolução do Conselho de Segurança 1.706, de setembro de 2006, que condicionava a iniciativa ao consentimento das autoridades sudanesas, porém, foi rejeitada pelo presidente Omar al-Bashir, até junho de 2007. A AMIS deverá ser incorporada a uma reforçada missão de paz das Nações Unidas, ainda sob comando africano. A missão híbrida da UA-ONU está prevista para alcançar um efetivo de até 19 mil homens.


A China e o Conflito em Darfur

Por Isabelle Araujo

A posição chinesa com relação ao conflito em Darfur tem sido controversa. Os chineses defendem que o envio de tropas de paz das Nações Unidas para a região seria uma boa opção, e de fato a mais realista. Mas ao mesmo tempo, continuam a não apoiar a resolução do Conselho de Segurança da ONU que permitiria o emprego das forças de paz. Além disso, têm satisfatoriamente influenciado a Rússia a agir da mesma maneira. Essa situação diminui ainda mais a pressão internacional sobre o governo sudanês e dificulta sobremaneira a pacificação da região.
O principal argumento da China é o de que o governo sudanês não está pronto para aceitar forças de paz em seu território. Os chineses, porém, têm sido alvo de duras críticas da comunidade internacional. Como principal parceiro comercial do Sudão e o maior investidor e consumidor do petróleo sudanês, acredita-se que China tenha o poder de pressionar o governo de Al-Bashir a aceitar o envio de tropas a região. Mas não é do interesse chinês assumir tal atitude, já que eles temem que uma mudança de configuração de poder no país possa retirar sua posição privilegiada na exploração de petróleo sudanês.
O que é ainda mais notável é que, enquanto a maioria das companhias de petróleo ocidental se retiraram do Sudão devido a pressões por parte de organizações internacionais de direitos humanos, as empresas chinesas mantiveram-se lá, fingindo não ver a escalada de conflito ao seu redor e também não se importando que o governo sudanês use a renda auferida da extração de petróleo para comprar armamentos que serão usados no conflito em Darfur.
A escolha chinesa, contudo, não é sustentável no longo prazo. A demora na resolução do conflito pode fazer com que spillover effects causem a generalização do conflito para outras partes do país, comprometendo assim a estabilidade política, podendo inclusive causar falência estatal, seguida da perda de condições de exploração econômica do petróleo sudanês por parte das companhias chinesas.

_________________________



Referências Bibliográficas


Leaders: That other war; Sudan. (2007, Outubro). The Economist, 385(8551), 17. Acessado em November 18, 2007, de ABI/INFORM Global database. (ID do Documento: 1368629011).

Calling on China: The China-Darfur Connection. (2004, Agosto 5). Brookings Website. Acessado em Novembro 18, 2007 de
http://www.brookings.edu/opinions/2004/0805africa_cohen.aspx

Responsible China? Darfur exposes Chinese hypocrisy. (2006, Setembro 6). The Washington Pos, A 14. Acessado em Novembro 18, 2007 de
http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2006/09/05/AR2006090501187.html

R. Scott Greathead (2007, November 6). Moving China on Darfur. Wall Street Journal (Eastern Edition), A.18. Acessado em November 18, 2007, de ABI/INFORM Global database. (ID do Documento: 13779671).50

Rebel Groups in Darfur (07/04/2006). Acessado em Novembro 18, 2007 de:http://www.pbs.org/newshour/indepth_coverage/africa/darfur/rebel-groups.html.
Who are Sudan's Darfur rebels?(12/10/2007).Acessado em Novembro 18, 2007 de: http://news.bbc.co.uk/2/hi/africa/7039360.stm.

Two main Darfur rebel groups will not attend talks(26/10/2007). Acessado em Novembro 18, 2007 de: http://www.savedarfur.org/newsroom/clips/two_main_darfur_rebel_groups_will_not_attend_talks/

Nenhum comentário: