Por Denise Galvão
Wolfgang Döpcke apresentou as guerras no Sudão como conflitos de alta complexidade. Tratou das duas principais guerras no país, que são a ocorrida no sul, em disputa com o norte, e o conflito em curso na região de Darfur, no oeste do país. Outras guerras sudanesas, como as disputas nas montanhas de Nuba, foram brevemente mencionadas.
Sobre o conflito norte-sul, ressaltou que está em curso um processo de paz, baseado em acordos que previram a autonomia qualificada da região sul, que reivindicava sua autodeterminação. A guerra, iniciada em 1983 pelo Sudan People’s Liberation Army (SPLA) contra o governo central, ocupado majoritariamente pela elite, do norte do país, durou até 2001-2003, dependendo do marco usado. O período mais acirrado do conflito foi em 1991, quando mudanças políticas na região do Chifre da África, com o realinhamento da Etiópia e da Eritréia, contribuíram para um cisma interno do SPLA. Os acordos de paz, assinados no Quênia, entre 2002 e 2005, estão atualmente em fase de implementação.
As principais reformas previstas são uma nova constituição, a concessão de certa autonomia política ao sul, a limitação da sharia ao norte e a distribuição dos recursos gerados pela exploração do petróleo – cujas reservas concentram-se na região centro-sul do país. Assuntos sensíveis ficaram de fora dos acordos, consistindo potenciais razões para recrudescimento das disputas entre as lideranças norte e sul. Ademais, tropas do norte ainda estão presentes na região sul.
A respeito do conflito em Darfur, Döpcke identificou os principais grupos armados da região como o Justice and Equality Movement (JEM) e o Sudan Liberation Army (SLA). Como instrumento de contra-insurgência de baixo custo, o governo sudanês armou milícias para conter a rebelião. A estratégia empregada foi massacrar a população civil de Darfur, como modo de suprimir a base dessas rebeliões, com operações de terra queimada, execuções em massa, estupros e outras formas de violência. Diante dessa quadro, houve tentativas de ingerência por parte do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que enfrentou resistência da China, de países africanos e do Brasil. A alternativa foi a criação de uma missão da União Africana (UA), ainda que com mandado limitado e contingentes militares mal-equipados, para conduzir tentativas de cessar-fogo.
Após essas considerações, Döpcke comparou os dois conflitos armados no Sudão, identificando várias diferenças, que podem ser facilmente percebidas. Em Darfur, todos são muçulmanos e o conflito não tem o componente de disputa religiosa que tem no sul, onde há populações animistas. Adicionalmente, em Darfur a guerra não envolve disputa pelo controle das riquezas geradas por recursos abundantes presentes no território, como ocorre no sul – petróleo.
Por outro lado, ao analisar as causas profundas dos dois conflitos, Döpcke encontra semelhanças entre as situações no sul e em Darfur. Conforme o Black Book – documento que teria inspirado a revolta do JEM –, há uma profunda desigualdade regional e econômica no Sudão. Apenas 5% da população do Sudão, residentes no norte do país, dominam o Estado e aproveitam seus recursos, desde a independência do país, em 1956. Para Döpcke, a marginalização sistemática da maioria da população é causa profunda de todas as guerras no Sudão. Suas origens históricas remontam ao período anterior à ocupação do território sudanês pelo Egito/pelos otomanos. A exclusão social e política de grande parte da população é mantida pela preponderância cultural do arabismo, identidade fundamentada em mescla de determinantes religiosos, culturais e de descendência.
Ao avaliar a disputa por recursos naturais como causa dos conflitos sudaneses, Döpcke observa que, em Darfur, onde subsiste um islamismo tolerante, a competição intensificada entre os grupos sedentários e os nômades, realidade desde meados dos anos 1980, desintegrou os mecanismos tradicionais de resolução de conflitos por acesso a fontes de água, por exemplo, devido ao processo de desertificação. Por sua vez, a exploração do petróleo do sul, revertendo-se em riqueza para a elite política e econômica de Cartum (no norte), sem se traduzir em benefícios para as condições de vida da população local, também gerou reivindicações de justiça.
Döpcke pondera que a disputa por recursos escassos em Darfur e abundantes no sul não são a única, nem a principal motivação das duas guerras. Suas causas fundamentais relacionam-se às identidades novas, formadas por meio das crises e da manipulação política pelo Estado. Por fim, Döpcke reputa que a nova operação de paz híbrida, que agregará tropas da ONU às já desdobradas forças da UA, não resolverá essas causas profundas de conflitos violentos no Sudão.
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