quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Palestra do Prof. Wolfgang Döpcke

Por Denise Galvão

Wolfgang Döpcke apresentou as guerras no Sudão como conflitos de alta complexidade. Tratou das duas principais guerras no país, que são a ocorrida no sul, em disputa com o norte, e o conflito em curso na região de Darfur, no oeste do país. Outras guerras sudanesas, como as disputas nas montanhas de Nuba, foram brevemente mencionadas.


Sobre o conflito norte-sul, ressaltou que está em curso um processo de paz, baseado em acordos que previram a autonomia qualificada da região sul, que reivindicava sua autodeterminação. A guerra, iniciada em 1983 pelo Sudan People’s Liberation Army (SPLA) contra o governo central, ocupado majoritariamente pela elite, do norte do país, durou até 2001-2003, dependendo do marco usado. O período mais acirrado do conflito foi em 1991, quando mudanças políticas na região do Chifre da África, com o realinhamento da Etiópia e da Eritréia, contribuíram para um cisma interno do SPLA. Os acordos de paz, assinados no Quênia, entre 2002 e 2005, estão atualmente em fase de implementação.

As principais reformas previstas são uma nova constituição, a concessão de certa autonomia política ao sul, a limitação da sharia ao norte e a distribuição dos recursos gerados pela exploração do petróleo – cujas reservas concentram-se na região centro-sul do país. Assuntos sensíveis ficaram de fora dos acordos, consistindo potenciais razões para recrudescimento das disputas entre as lideranças norte e sul. Ademais, tropas do norte ainda estão presentes na região sul.


A respeito do conflito em Darfur, Döpcke identificou os principais grupos armados da região como o Justice and Equality Movement (JEM) e o Sudan Liberation Army (SLA). Como instrumento de contra-insurgência de baixo custo, o governo sudanês armou milícias para conter a rebelião. A estratégia empregada foi massacrar a população civil de Darfur, como modo de suprimir a base dessas rebeliões, com operações de terra queimada, execuções em massa, estupros e outras formas de violência. Diante dessa quadro, houve tentativas de ingerência por parte do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que enfrentou resistência da China, de países africanos e do Brasil. A alternativa foi a criação de uma missão da União Africana (UA), ainda que com mandado limitado e contingentes militares mal-equipados, para conduzir tentativas de cessar-fogo.


Após essas considerações, Döpcke comparou os dois conflitos armados no Sudão, identificando várias diferenças, que podem ser facilmente percebidas. Em Darfur, todos são muçulmanos e o conflito não tem o componente de disputa religiosa que tem no sul, onde há populações animistas. Adicionalmente, em Darfur a guerra não envolve disputa pelo controle das riquezas geradas por recursos abundantes presentes no território, como ocorre no sul – petróleo.


Por outro lado, ao analisar as causas profundas dos dois conflitos, Döpcke encontra semelhanças entre as situações no sul e em Darfur. Conforme o Black Book – documento que teria inspirado a revolta do JEM –, há uma profunda desigualdade regional e econômica no Sudão. Apenas 5% da população do Sudão, residentes no norte do país, dominam o Estado e aproveitam seus recursos, desde a independência do país, em 1956. Para Döpcke, a marginalização sistemática da maioria da população é causa profunda de todas as guerras no Sudão. Suas origens históricas remontam ao período anterior à ocupação do território sudanês pelo Egito/pelos otomanos. A exclusão social e política de grande parte da população é mantida pela preponderância cultural do arabismo, identidade fundamentada em mescla de determinantes religiosos, culturais e de descendência.


Ao avaliar a disputa por recursos naturais como causa dos conflitos sudaneses, Döpcke observa que, em Darfur, onde subsiste um islamismo tolerante, a competição intensificada entre os grupos sedentários e os nômades, realidade desde meados dos anos 1980, desintegrou os mecanismos tradicionais de resolução de conflitos por acesso a fontes de água, por exemplo, devido ao processo de desertificação. Por sua vez, a exploração do petróleo do sul, revertendo-se em riqueza para a elite política e econômica de Cartum (no norte), sem se traduzir em benefícios para as condições de vida da população local, também gerou reivindicações de justiça.


Döpcke pondera que a disputa por recursos escassos em Darfur e abundantes no sul não são a única, nem a principal motivação das duas guerras. Suas causas fundamentais relacionam-se às identidades novas, formadas por meio das crises e da manipulação política pelo Estado. Por fim, Döpcke reputa que a nova operação de paz híbrida, que agregará tropas da ONU às já desdobradas forças da UA, não resolverá essas causas profundas de conflitos violentos no Sudão.

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