sábado, 11 de julho de 2009

A política externa de Obama em perspectiva: nova estratégia para o combate à proliferação de armas nucleares.

por Diogo Ramos Coelho.

No dia 05 de abril de 2009, em Praga, Obama afirmou que sua administração iria reduzir a importância de armas nucleares nas estratégias de segurança nacional – um passo, nas palavras do presidente, para a construção de um mundo livre de armas nucleares.[1] No discurso, Obama também ressaltou as conversas com o presidente russo Dmitri A. Medvedev para iniciar negociações para novo Tratado de Redução de Armas Estratégicas. Foi prometido, também, ativo engajamento do Executivo para a ratificação do Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares (Comprehensive Test Ban Treaty), o qual sofreu, no passado, forte oposição no Congresso.

O discurso do presidente americano tenta inserir os EUA nas novas dinâmicas de combate à proliferação de armas nucleares. Desde o fim da Guerra Fria, aumentaram regularmente os perigos associados ao uso dessas armas e as complexidades referentes à proliferação. Os EUA enfrentam, hoje, novos desafios, os quais incluem: o risco do terrorismo nuclear; programas nucleares “clandestinos” em Estados como Irã e Coréia do Norte; o risco de transferências de armas e tecnologias nucleares no mercado negro; a potencial perda do controle estatal de armas ou materiais nucleares, especialmente no Paquistão; o maior peso das armas nucleares para as estratégias de defesa na Rússia; e as incertezas em relação ao planejamento estratégico na China. Para lidar com esse complexo quadro, a política nuclear americana deve concentrar-se em três principais estratégias: combater o terrorismo nuclear, impedir que novos Estados adquiram armas nucleares, e cooperar com a Rússia para diminuir desconfianças e desenvolver políticas conjuntas de desarmamento.[2]

Em relação ao terrorismo nuclear, os mecanismos tradicionais de deterrence não funcionam. Grupos terroristas não possuem território nacional definido contra o qual os EUA poderiam retaliar. Por outro lado, esses grupos também não possuem a capacidade de produzir armas ou materiais nucleares. A principal questão no combate ao terrorismo nuclear, portanto, é o acesso de militantes extremistas a armas e materiais fabricados por Estados. Essa observação leva à conclusão lógica de que a probabilidade de um ataque terrorista com armas nucleares seria significativamente reduzido caso as armas fossem efetivamente abolidas e os materiais para fissão atômica eliminados. No entanto, um mundo livre de armas nucleares é, hoje, uma esperança ingênua e irreal. Todos dos países detentores de armas nucleares atribuem a elas importante peso nas políticas de segurança. Além disso, Estados não-nuclearmente armados como Canadá, Japão, Alemanha e África do Sul possuem materiais físseis que poderiam ser usados para construir uma bomba. Ainda, não há mecanismos eficazes à disposição dos Estados ou de instituições internacionais para averiguar a completa eliminação das armas nucleares ou de material físsil. O principal desafio – para os EUA e outros governos – é, portanto, encontrar mecanismos para balancear a necessária redução dos arsenais atômicos enquanto garantem a segurança das armas e materiais existentes para prevenir o contrabando. No combate ao terrorismo nuclear, o Paquistão se apresenta como o maior desafio: um Estado de frágil governabilidade, com a presença de grupos terroristas e detentor de armas nucleares.

Já o principal meio para impedir que novos Estados adquiram armas nucleares é fortalecer os instrumentos existentes no regime de não-proliferação. O pilar de sustento do regime é o Tratado de Não-Proliferação nuclear (TNP), concebido há mais de 30 anos para prevenir a proliferação de armas nucleares para além daqueles Estados que já as possuem. Sob as regras do tratado, Estados nuclearmente armados aceitam ajudar Estados não-nuclearmente armados a desenvolver energia atômica pacífica caso eles renunciem à busca por armas nucleares. Porém, essa barganha possui uma lacuna que tem sido explorada por nações como a Coréia do Norte e Irã: estes países são autorizados a produzir material nuclear que pode ser usado para construir bombas sob a cobertura de programas nucleares civis. Essa lacuna é ainda agravada pelo renovado interesse pela energia nuclear em face da perspectiva de crescentes limitações na oferta de combustíveis fósseis. Além disso, uma das falhas mais persistentes do regime é o desarmamento das potências nucleares: um objetivo cujo não-cumprimento é fonte de diversas críticas por parte dos demais Estados signatários do TNP.

O regime de não-proliferação atravessa atualmente um momento delicado em que existem pressões importantes em cada um dos seus pontos fundamentais (fins bélicos e pacíficos da tecnologia nuclear, cooperação tecnológica e desarmamento nuclear) que coincidem com a fragilização do próprio TNP e dos demais componentes do regime. No entanto, não se deve concluir que a não-proliferação tradicional falhou. O objetivo do governo Obama deve ser o desenvolvimento de mecanismos que ativamente desvalorizem a posse de armas nucleares e que criem as condições para sua eventual erradicação, além de tentar impedir que elas caiam nas mãos de Estados ou grupos inimigos. Nesse sentido, é fundamental  reafirmar o comprometimento dos EUA com o fortalecimento do regime de não-proliferação, principalmente por meio da aprovação no Congresso americano do Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares, da conclusão com a Rússia de novo Tratado de Redução de Armas Estratégicas, além do fortalecimento das salvaguardas e instrumentos de inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

Por fim, para renovar os esforços de desarmamento e de combate à proliferação é imprescindível um avanço no diálogo entre EUA e Rússia – os detentores dos maiores arsenais nucleares. Se os riscos de um confronto entre EUA e Rússia reduziram-se drasticamente com o fim da Guerra Fria e com o aumento da interdependência em virtude da globalização, por outro lado, o sucesso nas negociações de novo tratado bilateral de controle de armas nucleares requer esclarecimentos sobre as visões estratégicas de longo prazo por ambos países. Como parte de um diálogo revitalizado, importantes questões devem ser respondidas: EUA e Rússia possuem uma visão comum das implicações globais das suas políticas de desarmamento, uma vez que muitos países ligam a vitalidade do regime de não-proliferação nuclear ao progresso na redução dos arsenais russos e americanos? Quais planos cada lado possui para a modernização das forças militares? Esses planos envolvem maior dependência em relação à capacidade de deterrence das armas nucleares? Qual o peso das armas nucleares para as considerações geopolíticas da Rússia, levando em consideração o desgaste das forças militares convencionais do país no pós-Guerra Fria? As respostas a essas perguntas serão os guias para uma cooperação efetiva em políticas de desarmamento.

O discurso de Obama em Praga reafirmou o principal objetivo da política nuclear dos EUA: impedir o uso de armas nucleares por qualquer Estado ou ator não-estatal e prevenir a proliferação dessas armas a outros Estados ou atores não-estatais. Mas para tornar possível esse objetivo, Obama deve enfrentar complexos desafios que demandam, principalmente, esforços cooperativos para criar instrumentos eficazes de governança global. Nesse sentido, cabe ressaltar a importância da Conferência de Revisão do TNP em 2010: será importante oportunidade para os EUA renovar o comprometimento com o regime de não-proliferação e arquitetar soluções cooperativas com os demais países, em especial China, França, Reino Unido e Rússia – os demais detentores “lícitos” de armas atômicas.

Como resolver as crises regionais envolvendo o componente nuclear é quase tão difícil quanto solucionar as falhas do regime em si (do uso inapropriado da tecnologia nuclear ao desarmamento das grandes potências), percebe-se que não existe uma saída fácil para o problema da proliferação nuclear, pelo menos não num futuro próximo. Índia e Paquistão provaram isso em 1998, a Coréia do Norte provou em 2006 e em 2009 – todos demonstrando que no século XXI a política nuclear americana vai enfrentar grandes dificuldades até que se mostre capaz de liderar, por meio de arranjos cooperativos de governança global, um regime de não-proliferação sólido e funcional.



[2] FERGUSON, Charles D.; PERRY, William J.; SCOWCROFT, Brent (Organizadores). U.S. Nuclear Weapons Policy. Council on Foreign Relations, 2009.

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