quarta-feira, 1 de julho de 2009

A política externa de Obama em perspectiva: plano para o fim da Guerra do Iraque

por Diogo Ramos Coelho

Todos os Presidentes americanos sofrem grandes testes, e nestes testes a retórica política é deixada de lado e a verdadeira natureza dos líderes e da sua administração é revelada – foi assim com a crise dos mísseis cubanos para Kennedy, Vietnã para Johnson, Vietnã e Watergate para Nixon, a crise do reféns no Irã para Carter, o crescimento de Gorbachev e o escândalo Irã-Contras para Reagan, Guerra do Golfo para George H. Bush, desvios pessoais e os desafios da globalização para Clinton e o 11 de setembro para George W. Bush. Tudo indica que o Iraque será o grande teste de Obama.

No dia 04 de junho de 2009, Obama discursou na Universidade do Cairo com a intenção de renovar as relações dos EUA com o mundo islâmico. O discurso foi considerado uma iniciativa perspicaz e eloqüente. Por outro lado, analistas como Fareed Zakaria ressaltaram: as palavras do Presidente deverão ser confrontadas com as ações da política externa americana no Oriente Médio – e o único local onde Obama possui efetivo poder para colher bons resultados é o Iraque.

Os campos de atuação da diplomacia americana junto aos países árabes são diversos. No entanto, o poder dos EUA em garantir resultados favoráveis é limitado. A resolução do conflito entre israelenses e palestinos seria, certamente, grande marco para a renovação das relações entre EUA e o mundo islâmico. No entanto, os esforços para consolidar o processo de paz na Palestina vão além da vontade diplomática americana e dependem de diversos atores da região. Da mesma forma, a administração de Obama, ou qualquer outro ator externo, não conseguirá transformar o Egito em uma democracia nos próximos anos. Já as relações com o Irã tendem a seguir com os embates, uma vez consolidada a reeleição de Mahmoud Ahmadinejad. Em contraposição, caso Obama consiga estabilizar as instituições iraquianas antes da retirada das tropas, o presidente ajudaria a modificar a dinâmica política no Oriente Médio e apresentaria um novo modelo de relacionamento externo com um país árabe, muçulmano e democrático.

O tempo é curto. Obama anunciou a retirada da maioria das tropas até o fim de agosto de 2010, com cerca de trinta e cinco a cinqüenta mil combatentes permanecendo até o fim de 2011, quando todas as tropas devem ser retiradas sob os termos do Acordo sobre o Status das Forças (SOF Agreement, na sigla em inglês), negociado pela administração de Bush.[1] O que precisa ser respondido é: sob quais condições as tropas americanas irão deixar o Iraque? Hoje, a situação no país mostra-se muito mais promissora que há três anos. O General David Petraeus conseguiu diminuir a violência ao utilizar mais soldados e ao lutar em frentes distintas: tanto no enfrentamento militar quanto na negociação com grupos sunitas que antes combatiam as tropas americanas. Isso permitiu ao General criar o que ele chamou de “breathing space” para a reconciliação política. O progresso político no Iraque mostrou-se, dessa forma, fundamental para a vitória militar. No entanto, as instituições iraquianas continuam frágeis. O país, marcado por divisões étnicas e sociais, carece de instrumentos de governabilidade.[2] Sem avanços no campo político que permitam aos curdos, sunitas e xiitas encontrar mecanismos pacíficos de resolução de controversas, uma vez que os EUA reduzam suas tropas, antigas desavenças e desconfianças poderão ressurgir, gerando mais violência e até uma trágica guerra civil. As conseqüências de um Iraque mergulhado no caos seriam terríveis para a estabilidade no Oriente Médio e para os interesses de segurança americanos: o país poderia cair no controle de militantes extremistas – agora mais fortes, depois de “derrotar” os EUA – além de tornar-se um local propício para o fortalecimento do terrorismo e fonte de expansão do poder do Irã e da Síria na região. Somente mecanismos genuínos de divisão do poder criarão um governo e um exército iraquiano vistos como representativos e não como sectários – condição fundamental para garantir a ordem e a estabilidade no país.

A principal consideração do governo americano sobre o plano de retirada do Iraque deve ser, portanto, a criação de instrumentos que garantam a governabilidade. Se o Iraque mergulhar em pequenos conflitos, com a possibilidade de escalada a uma guerra civil, enquanto os EUA retiram suas tropas, a administração de Obama será considerada responsável e terá que lidar com um quadro mais complexo e perigoso no Oriente Médio. Em contraste, uma ordem política estável mantida no Iraque terá relevante impacto no futuro do mundo árabe e na reputação americana. Caso se demonstre que curdos, sunitas e xiitas podem escrever seu próprio contrato social e mantê-lo com estabilidade, isso seria importante recurso estratégico para a promoção de diferentes políticas nos países islâmicos.

Os EUA devem, ainda, aumentar os esforços diplomáticos para levar os vizinhos do Iraque a maior envolvimento com o país. Ainda são poucos os governos árabes que mantém embaixadas em Bagdá. O Iraque não é uma ilha. É um dos fundadores da Liga Árabe e um país fundamental no Golfo Pérsico. A estabilidade do governo iraquiano também será decorrente do envolvimento diplomático com os países vizinhos, especialmente Irã e Síria – e os EUA desempenham um papel fundamental em garantir que essas relações sejam profícuas e viáveis.

É necessário, sobretudo, compreender que Iraque, Afeganistão e Paquistão são parte de uma mesma guerra – a guerra dentro dos países árabes e muçulmanos sobre como essa comunidade étnica e religiosa irá se adaptar ao mundo contemporâneo e ao conjunto de fatores que guiam nossa época: o reconhecimento do indivíduo como sujeito autônomo, a educação moderna, o dinamismo do capitalismo global, os direitos civis e políticos, a balança entre religião e Estado, os direitos da mulher, etc. Um resultado positivo no Iraque irá favorecer as forças progressivas ao criar algo que não existe hoje no Oriente Médio: um Estado árabe-muçulmano independente e democrático.

Uma democracia, claro, não se constrói em poucos dias. Porém, o presidente Obama e a Secretária de Estado Hillary Clinton não devem desprezar a capacidade de mediação dos EUA junto aos líderes locais. Para dar seguimento ao discurso proferido na Universidade do Cairo, Obama e Clinton devem concentrar esforços em desenvolver os mecanismos que possibilitem aprofundar o existente diálogo horizontal entre as comunidades iraquianas. A governabilidade no Iraque só será garantida por meio do ativo engajamento dos EUA. O objetivo, por fim, é criar os instrumentos que, respaldados pelos iraquianos, possibilitem construir uma democracia federal, funcional, com um judiciário independente, livre imprensa e com um governo central e um exército capazes de lidar com os diversos desafios que o país irá enfrentar nos próximos anos, quando se ver livre da interferência militar estrangeira.



[1] ZAKARIA, Fareed. Victory in Iraq (2009). Disponível em: http://www.newsweek.com/id/200858/page/1. Acesso em 16 de junho de 2009.

[2] FRIEDMAN, Thomas L. The Iraq Obama inherits (2008). Disponível em: http://www.nytimes.com/2008/11/30/opinion/30iht-edfriedman.1.18258195.html?_r=1. Acesso em: 16 de junho de 2009.

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