terça-feira, 30 de outubro de 2007

Resenha do Livro “Darfur Diaries – Stories of Survival”*

O livro “Darfur Diaries” é baseado na viagem feita por Jen Marlowe, Aisha Bain e Adam Shapiro em 2004 à conflituosa e ainda pouco conhecida região de Darfur, Sudão. Os viajantes já haviam estado em contato com outros conflitos armados em outras partes do globo e compartilhavam o desejo de conhecer mais sobre as hostilidades recentemente iniciadas nesta região africana. Eles registraram em vídeo parte de suas aventuras nas inóspitas paisagens do Chad e do Sudão e transformaram esse material em um filme cujo título é similar ao do livro.
O conflito em Darfur, na época da expedição tratado no livro, era bastante recente, pois havia sido iniciado um ano antes apenas(2003). Dessa forma, não eram muitas as informações sobre a situação na região. Essa deficiência era ainda acentuada pela pouca visibilidade da questão nas discussões internacionais. È neste contexto que os três viajantes partem ao Sudão em busca de maiores informações.
Com isso em mente, poder-se-ia argumentar que o livro não tem mais importância, uma vez que as características do conflito foram alteradas desde 2004. Mas isso seria um grande equívoco. O principal foco do livro é captar as emoções dos seres humanos envolvidos no conflito, principalmente, as crianças. Como o título ressalta, os viajantes estavam em busca das “histórias dos sobreviventes” contadas por eles mesmos. É baseado nisso que acredito que este livro merece ainda ser lido com bastante atenção. Os próprios autores reconhecem que a publicação do livro ocorreu em um ambiente em que já havia uma grande atenção voltada para Darfur e que este não serviria mais para alertar as pessoas sobre o conflito, mas sobre as pessoas nele envolvidas.
As diversas situações descritas, desde as mais tristes até as mais divertidas, criam uma forma fácil e, muitas vezes, prazerosa de inserir-se no mundo de Darfur. Os principais pontos abordados pela obra, segundo minha opinião, são os seguintes: a situação dos refugiados de Darfur no Chad, a preocupação das crianças e dos adultos com a educação das futuras gerações e a imagem que os rebeldes têm do governo sudanês e da milícias islâmicas.
A triste realidade dos campos de refugiados no Chad é descrita por meio de depoimentos de mulheres e crianças, que representam a grande maioria dos habitantes destas localidades. As mulheres mostram-se extremamente preocupadas com as questões da violência sexual e da falta de mínimas condições para criarem seus filhos. Em relação ao fato de estarem em um território alheio, os refugiados, em sua maioria, demonstram a intenção em voltar o quanto antes para sua terra natal. Algumas pessoas poderiam imaginar que os refugiados estão interessados em continuar recebendo ajuda das agências internacionais presentes na região. Mas, na verdade, há um verdadeiro sentimento de desconforto com a política de doação existente nos campos de refugiados. Por outro lado, os cidadãos do Chad encontravam uma dificuldade cada vez maior em lidar com os refugiados de Darfur, pois estes têm total prioridade para as agências internacionais e estão utilizando os recursos naturais de seu país, que são reconhecidamente escassos. Teme-se, neste caso, uma intensificação dos atritos entre esses dois segmentos.
É impressionante perceber também a importância que é dada pela população local à educação das crianças. São mostrados exemplos em que a população tenta organizar-se, sem ajuda internacional, para montar precárias escolas. Muitas vezes, o ensino, surpreendentemente, ocorre em baixo de árvores. Esta é uma maneira de garantir o futuro da população de Darfur e manter as crianças afastadas do conflito armado.
Outra questão a ser apontada são os depoimentos captados pelos viajantes que demonstram que a população de Darfur considera o governo sudanês o principal responsável pela terrível situação em que estão vivendo. Alguns chegam a afirmar que não tem raiva direta dos integrantes das milícias islâmicas, pois estes teriam sido enganados pelo presidente Omar al-Bashir. “We and the Arabs are compelled to this war on behalf of the government. (…) Our true enemy is the government of Sudan. We are not fighting the Arabs. We are fighting against the government who is using the Arabs to clean us out of the area and pressing them to replace us in our lands” (página 109).
Por fim, posso dizer que a leitura do livro ajudará muito no entendimento do lado mais humano do conflito em Darfur. Afinal de contas, na maior parte das vezes, é mais importante e interessante entrar em contato com as reais necessidades da população do que com as recorrentes notícias sobre a situação encontradas em sítios da Internet.
*O livro foi lançado em 2006 pela Editora National Books, New York.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Tropa de Elite: Estendendo a Crítica

Por Isabelle Araujo

O filme "Tropa de Elite" traz importantes críticas não só à polícia despreparada, corrupta e mal remunerada, mas também à ligação entre a corrupção policial e a política, à demagogia da chamada "consciência social", e ao fato de que quem financia o tráfico de drogas também suja suas mãos de sangue.
Agora eu fico me perguntando: quais serão as outras causas (e agravantes) do problema de violência no RJ?

Será que está só na polícia? Na sociedade inapta e que parece ser cega? Na corrupção em todos os setores e níveis? Na incapacidade dos políticos? No tráfico internacional de drogas? No lucro dos fabricantes de armas? Na decadência moral e social? Onde será que está?

O livro ‘Elite da Tropa’, ainda mais que o filme, nos faz perceber que a aparente causa de um problema, nesse sistema altamente corrupto e mal-estruturado, raramente é sua verdadeira ignição. E para mim, a causa maior, dentre um emaranhado de outras causas mais ou menos relevantes, é algo que a maioria de nós não percebe e que não transparece no filme, mas que vale a pena lembrar.
Porque será que o BOPE sobe a favela para matar? A resposta a essa pergunta é uma das causas mais invisíveis da violência: a impunidade. Provavelmente os ‘caveiras’ saibam que o sistema judiciário não vai manter os criminosos longe do convívio social, talvez eles saibam também que a Justiça no Brasil é benevolente demais e totalmente impermeável aos anseios da sociedade. Diante disso, eles decidem que podem fazer justiça com as próprias mãos. Será que eles estão errados ao fazer isso? Será que eles estão certos?



Ao ver o filme percebemos que esses policiais vivem uma guerra que a maioria de nós tenta ignorar. A atitude deles é reflexo desse estado de coisas. Eles matam para não morrer. Eles matam para nos proteger. Mas em que situações nós somos protegidos e em que situações nós somos vítimas desse sistema? E quando somos vítimas, a quem recorrer? À Justiça?

O filme nos dá uma idéia de quantos policiais "convencionais" se vendem ao tráfico. Mas você já se perguntou quantos juizes não fazem o mesmo? Não estou supondo que não existam juizes honestos no Brasil, longe disso. Quero acreditar que a honestidade no poder judiciário é regra, e a corrupção uma exceção. Mas se a impunidade fosse melhor combatida, dentro do judiciário, então talvez o BOPE não teria mais que usar meios de guerra (matar antes, para perguntar depois") , o tráfico não seria mais financiador de campanhas eleitorais e quem sabe os próprios policiais "convencionais" não seriam tão corruptos.

O Capitão Nascimento estava se questionando sobre quantas crianças morrem no tráfico para que um "playboy" ascenda um cigarro de maconha. E eu me pergunto: quantos pais, mães, filhos, professores, estudantes e médicos morrem por aí em decorrência de habeas corpus, atenuantes, reduções de pena etc.?

O filme reforçou o que eu já acreditava: a raiz social da violência se resolve no longo prazo, mas as perversas conseqüências do problema da violência devem ser combatidas no presente. Se o sistema não funciona, mude o sistema! E a justiça pode fazer isso usando seus meios.

Comentário
O filme é excelente, pois além de fomentar o debate público sobre a questão da violência no RJ, ele expõe a realidade perversa dessa guerra, por uma perspectiva distante da maioria de nós: daqueles que se sacrificam diariamente em nome da ordem pública. O filme nos dá a esperança de que, se é possível termos uma polícia honesta que ganha pouco e que faz um dos trabalhos mais arriscados do mundo, mesmo imersa num oceano de corrupção, é possível então formarmos uma polícia inteira nesses mesmos moldes e que talvez use de meios mais convencionais (institucionalizados) para impor a ordem. A questão seria: como iniciar essa reforma?


Recomendo também lerem o livro para que possam entender melhor essa questão da guerra contra o crime organizado e como esse sistema de corrupção em todos os níveis pode levar uma cidade inteira ao caos. Se puderem leiam também meu artigo sobre Violência no RJ (postado nesse blog), o qual escrevi antes mesmo de ler o livro ou ver o filme e diria que as minhas opiniões pouco se alteraram, já que tanto o livro quanto o filme corroboram muitas das minhas visões.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Darfur repete drama de Ruanda em câmera lenta

DOMINGO, 5 de novembro de 2006

ÁFRICA-Acordo de paz perde efeito com novos episódios de violênciaDarfur repete drama de Ruanda em câmera lenta


Curitiba – Há pouco mais de um mês, os sobreviventes da guerra entre tutsis e hutus em Ruanda fizeram uma manifestação em Kigali, tentando chamar a atenção das Nações Unidas para outro genocídio que ocorre na África. “Nós sobreviventes estamos do lado das vítimas em Darfur”, disse um deles. “Nós sabemos o que é perder nossas mães, pais, irmãos, irmãs, filhos e filhas.”A ONU classificou Darfur, no oeste do Sudão, como o pior desastre humanitário deste século. Desde 2003, estima-se que 200 mil pessoas morreram e outras 2 milhões foram desalojadas. O Sudão é o maior país da África e tem uma população de maioria árabe. Na região de Darfur, no entanto, concentra-se a população de origem centro-africana e também diversos grupos nômades.

Sentindo-se excluídos da política central de Cartum, um grupo rebelde chamado Fronte de Libertação de Darfur (depois rebatizado Exército de Libertação do Sudão) iniciou, em fevereiro de 2003, uma série de ataques a alvos do governo. Ao perceber que as forças armadas do país não estavam conseguindo conter os insurgentes, o governo do Sudão adotou uma nova estratégia de repressão, trazendo para o conflito a milícia armada Janjawed, um grupo de cavaleiros árabes muçulmanos extremamente violento que não faz distinção entre rebeldes e civis.“O uso da milícia foi adotado para expulsar toda uma população, simplesmente para diminuir a contestação política”, afirma a especialista em guerras na África e mestre em Relações Internacionais pela Universidade Nacional de Brasília (UnB), Denise Galvão. Em maio deste ano, o Exército de Libertação do Sudão e o governo sudanês aceitaram firmar um acordo sobre Darfur. As mílicias Janjaweed seriam desarmadas e os militares rebeldes incorporados às forças armadas do país. A União Africana (UA) – grupo de países do continente –, com o consentimento do Sudão, enviou 7 mil soldados para monitorar o cessar-fogo.Apesar do acordo, a violência continuou. Duas forças rebeldes de Darfur preferiram não assinar o tratado de paz. “Essa é uma região muito grande e 7 mil homens é pouco. Além disso, essa força não é tão bem equipada, chegando a ser vítima da violência”, afirma Denise.No final do mês de agosto, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a Resolução 1.706, que prevê a troca dos homens da UA por 20 mil soldados das Nações Unidas. O governo sudanês rejeitou a resolução e comprou briga com o órgão.No último dia 20 de outubro, o enviado especial da ONU ao Sudão, o holandês Jan Pronk, foi considerado “persona non grata” pelas forças armadas e expulso do país. A ação do Sudão contra Pronk foi aparentemente motivada por um texto publicado por ele em seu blog pessoal – www.janpronk.nl –, em que disse que as forças armadas do Sudão sofreram grandes derrotas em dois conflitos recentes contra rebeldes em Darfur.Com pouco peso político nas questões internacionais, o Sudão regularmente decora os discursos de líderes mundiais, mas, na prática, o país continua sendo palco do que muitos já nomearam de “Ruanda em câmera lenta”. Apenas nesta última sexta-feira, foram 63 mortes, metade das quais crianças.“O genocídio no Sudão mostra o grande fracasso da ONU. Mesmo com a experiência de 1994 (Ruanda), a humanidade não aprendeu a lição”, conclui Denise.

Breno Baldrati