terça-feira, 23 de outubro de 2007

Tropa de Elite: Estendendo a Crítica

Por Isabelle Araujo

O filme "Tropa de Elite" traz importantes críticas não só à polícia despreparada, corrupta e mal remunerada, mas também à ligação entre a corrupção policial e a política, à demagogia da chamada "consciência social", e ao fato de que quem financia o tráfico de drogas também suja suas mãos de sangue.
Agora eu fico me perguntando: quais serão as outras causas (e agravantes) do problema de violência no RJ?

Será que está só na polícia? Na sociedade inapta e que parece ser cega? Na corrupção em todos os setores e níveis? Na incapacidade dos políticos? No tráfico internacional de drogas? No lucro dos fabricantes de armas? Na decadência moral e social? Onde será que está?

O livro ‘Elite da Tropa’, ainda mais que o filme, nos faz perceber que a aparente causa de um problema, nesse sistema altamente corrupto e mal-estruturado, raramente é sua verdadeira ignição. E para mim, a causa maior, dentre um emaranhado de outras causas mais ou menos relevantes, é algo que a maioria de nós não percebe e que não transparece no filme, mas que vale a pena lembrar.
Porque será que o BOPE sobe a favela para matar? A resposta a essa pergunta é uma das causas mais invisíveis da violência: a impunidade. Provavelmente os ‘caveiras’ saibam que o sistema judiciário não vai manter os criminosos longe do convívio social, talvez eles saibam também que a Justiça no Brasil é benevolente demais e totalmente impermeável aos anseios da sociedade. Diante disso, eles decidem que podem fazer justiça com as próprias mãos. Será que eles estão errados ao fazer isso? Será que eles estão certos?



Ao ver o filme percebemos que esses policiais vivem uma guerra que a maioria de nós tenta ignorar. A atitude deles é reflexo desse estado de coisas. Eles matam para não morrer. Eles matam para nos proteger. Mas em que situações nós somos protegidos e em que situações nós somos vítimas desse sistema? E quando somos vítimas, a quem recorrer? À Justiça?

O filme nos dá uma idéia de quantos policiais "convencionais" se vendem ao tráfico. Mas você já se perguntou quantos juizes não fazem o mesmo? Não estou supondo que não existam juizes honestos no Brasil, longe disso. Quero acreditar que a honestidade no poder judiciário é regra, e a corrupção uma exceção. Mas se a impunidade fosse melhor combatida, dentro do judiciário, então talvez o BOPE não teria mais que usar meios de guerra (matar antes, para perguntar depois") , o tráfico não seria mais financiador de campanhas eleitorais e quem sabe os próprios policiais "convencionais" não seriam tão corruptos.

O Capitão Nascimento estava se questionando sobre quantas crianças morrem no tráfico para que um "playboy" ascenda um cigarro de maconha. E eu me pergunto: quantos pais, mães, filhos, professores, estudantes e médicos morrem por aí em decorrência de habeas corpus, atenuantes, reduções de pena etc.?

O filme reforçou o que eu já acreditava: a raiz social da violência se resolve no longo prazo, mas as perversas conseqüências do problema da violência devem ser combatidas no presente. Se o sistema não funciona, mude o sistema! E a justiça pode fazer isso usando seus meios.

Comentário
O filme é excelente, pois além de fomentar o debate público sobre a questão da violência no RJ, ele expõe a realidade perversa dessa guerra, por uma perspectiva distante da maioria de nós: daqueles que se sacrificam diariamente em nome da ordem pública. O filme nos dá a esperança de que, se é possível termos uma polícia honesta que ganha pouco e que faz um dos trabalhos mais arriscados do mundo, mesmo imersa num oceano de corrupção, é possível então formarmos uma polícia inteira nesses mesmos moldes e que talvez use de meios mais convencionais (institucionalizados) para impor a ordem. A questão seria: como iniciar essa reforma?


Recomendo também lerem o livro para que possam entender melhor essa questão da guerra contra o crime organizado e como esse sistema de corrupção em todos os níveis pode levar uma cidade inteira ao caos. Se puderem leiam também meu artigo sobre Violência no RJ (postado nesse blog), o qual escrevi antes mesmo de ler o livro ou ver o filme e diria que as minhas opiniões pouco se alteraram, já que tanto o livro quanto o filme corroboram muitas das minhas visões.

2 comentários:

Unknown disse...

Acredito que a impunidade é um dos fatores que colaboram na continuidade da violência no Rio. Creio ainda que essa impunidade é resultante majoritariamente da corrupção do sistema que envolve esta questão. Esta corrupção abrange tanto juízes como policiais. Não há como um trabalhar sem a ajuda do outro.

Além disso, não considero a Justiça brasileira benevolente. Mais uma vez o que está por tras disso é a corrupção dos agentes do judiciário.

Sendo assim, podemos nos perguntar se o BOPE é a salvação para a violência no Rio, uma vez que possui agentes "honestos". Aceitar o BOPE como a solução a ser difundida significa acreditar que os homens já nascem corruptos ou não-corruptos. Isso não é verdade! O sistema é o responsável pela corrupção. E o que impede os policiais do BOPE de se inserirem na corrupção é a lavagem cerebral do seu treinamento e a única tarefa de matar os bandidos. Se eles conversassem antes de atirar, a história seria outra...

Unknown disse...

A violência e a corrupção no Brasil chegaram a um ponto tão insustentável que, somadas às expectativas nulas de mudança, faz com que a sociedade perca o juízo do que é "certo" ou "errado" e se prenda apenas ao que é possível ou não, daí a aclamação fervorosa por muitos diante das fortes cenas de violência praticada pela BOPE durante o filme. Por isso, concordo contigo que a impunidade está por trás de todos os tipos de violência e, nesse caso, faz com que a sociedade encare a estratégia do BOPE como algo até certo ponto necessário, uma vez que configura-se como a única ferramento possível de mudança, ainda que ilusória, em um mar de impunidade em que princípios morais e juízos de valores tornam-se apenas instrumentos de discurso.