terça-feira, 11 de setembro de 2007

Violência no Rio de Janeiro: Unindo forças no combate ao crime organizado

Por Isabelle Araujo


Nas últimas semanas o Rio de Janeiro tem enfrentado um dos piores períodos de violência de sua história. Dezenove pessoas morreram no último confronto entre policiais e traficantes na Vila Cruzeiro, uma das favelas do Complexo do Alemão e uma das zonas mais perigosas da cidade. E, ao que tudo indica, essa situação de ‘guerra’ e insegurança tende a se agravar nos próximos meses, dado que as autoridades de segurança do Rio quebraram o "pacto silencioso" com as facções criminosas.

Quem mais sofre com essa "guerra não-declarada" é a população civil, que se vê desprotegida em meio aos tiroteios. Os mais afetados ainda são os moradores das favelas, onde os confrontos ocorrem com cada vez mais freqüência e onde as balas perdidas matam cada vez mais inocentes.

Eles não são os únicos. A cidade do Rio de Janeiro é permeada por favelas, inclusive nos bairros mais nobres da cidade, o que gera focos de violência em diversos pontos. Assim, a classe média e os ricos também se sentem ameaçados, mesmo que disponham de meios privados de segurança.

Ricos ou pobres, muitos cariocas se acostumaram com essa situação de violência e aprenderam a conviver com a insegurança. Muitos pensam que isso tudo é normal, mas pensar assim é extremamente nocivo à busca de soluções. Não se pode tentar diminuir a gravidade do problema. A situação no Rio de Janeiro é crítica já há muitos anos e precisa ser tratada como tal, de forma aberta e extensiva.

As causas do aumento da violência urbana no Rio já são amplamente conhecidas: falta de planejamento urbano durante décadas, ausência de medidas para a inclusão social das massas migrantes, medidas imediatistas de caráter agressivo, falta de discussões amplas sobre a urgência de planos concretos e sólidos de segurança pública, e uma extensa lista de outras causas diretas e indiretas que durante anos agravaram ainda mais a situação.

Em diversas regiões do Rio de Janeiro, o vácuo de poder e a situação de ausência do estado de direito possibilitou a formação de grupos armados não-estatais que passaram a ditar as regras e a estender sua esfera de influência para além dos seus domínios originais (favelas), ocasionando um grande sentimento de insegurança na população em geral.

O Estado, na qualidade de detentor do monopólio do uso legítimo da força, deve combater esses grupos criminosos com mãos firmes e usar de meios violentos sempre que for necessário. Pois, quando a força é controlada por mãos erradas, é imprescindível que o Estado, com o respaldo da sociedade civil, tome atitudes enérgicas para suprimir esses grupos.

As estratégias usadas pelo Estado no combate ao crime são geralmente estratégias do tipo topo para a base, pois devem atuar no sentido de desestruturar as redes do crime organizado, constituir uma polícia mais forte e mais inteligente e formar uma justiça rápida e transparente.

É preciso entender que o combate às organizações criminosas no Rio de Janeiro é uma guerra assimétrica e difusa, na qual as forças políciais são os agentes do Estado no combate ao crime organizado. Os policias devem ter como principal objetivo proteger a vida dos cidadãos inocentes. Para isso, eles precisam ser bem treinados e contar com modernos aparatos de inteligência e logística.

Talvez as polícias locais tenham muito a aprender com as Forças Armadas. Ao invés de tentar chamá-las para atuar no Rio de Janeiro, os governos locais poderiam usá-las como exemplo. Estudar a estratégia que deu certo nas favelas do Haiti e aplicar algumas táticas que, à luz de um plano de segurança pública específico para a realidade carioca, poderiam ser usadas também nas favelas daqui.

As Forças Armadas não são as mais capazes em lidar com questões de segurança pública, essa não é sua função. Contudo, elas podem ajudar de forma indireta na luta contra o crime. Uma boa opção seria aliar os aparatos de inteligência, logística e comunicação, bem como o conhecimento de táticas refinadas de guerras difusas (como, por exemplo, a guerra de guerrilha), a uma estratégia consciente e pensada especificamente para segurança pública, formulada por governos locais. Isso ajudaria a polícia a agir com precisão e cautela e poderia ser feito através do emprego de equipamentos militares e do treinamento de uma força policial especial que disponha dos meios militares necessários para o combate à criminalidade urbana e difusa. A polícia federal, dispondo de meios próprios, estaria também aliada a essa estratégia, visto que ela é a responsável por combater redes nacionais e internacionais do tráfico de drogas e de armas.

Porém, nessa estratégia topo-base, a atuação somente das polícias não basta. Um outro braço do Estado também precisa se engajar na luta contra a criminalidade: a justiça. Os criminosos precisam ser exemplarmente julgados e condenados. Recentemente, o líder da ONG AfroReggae (que ajuda a tirar jovens e crianças do tráfico de drogas), José Pereira de Oliveira Júnior, disse em entrevista ao jornal Estado de São Paulo: “quando eu era jovem, a gente brincava de polícia e ladrão. Eu queria ser policial. Hoje na favela todo mundo quer ser ladrão”. Diante disso, vê-se que o crime precisa voltar a ser considerado errado. A justiça precisa punir os líderes das organizações criminosas, o que servirá de exemplo aos jovens, para que eles não se aliem ao tráfico de drogas.

Enquanto o Estado utiliza estratégias que em geral são do topo para a base, a sociedade civil usa estratégias que atuam da base para o topo, que na maioria das vezes são projetos sociais visando prevenir que o crime organizado ganhe força.

O Rio de Janeiro precisa de iniciativas que diminuam as desigualdades sociais, que dêem emprego à grande população ociosa e que incentivem os jovens a estudar e a praticar esportes. Mas, que sobretudo, promovam a igualdade de oportunidades. Essa é a fórmula para se criar uma sociedade verdadeiramente meritocrática e com alta mobilidade social, na qual os cidadãos tenham vontade de lutar por um futuro melhor e não vejam no crime uma saída fácil para sua condição de pobreza.

As organizações da sociedade civil são extremamente eficazes em lidar com as comunidades locais em estratégias da base para o topo, pois eles conhecem melhor a população local, tem maior responsabilidade e transparência na execução de projetos e conseguem identificar melhor suas carências. É por isso que os governos precisam incentivar, apoiar e financiar iniciativas da sociedade civil que promovam a igualdade, a inclusão social e a prática de esportes, o que enfraquecerá a força motriz das organizações criminosas.

Para que os planos de segurança pública dêem certo, essas duas estratégias (topo-base e base-topo) precisam andar juntas, mesmo que usem diferentes meios. As duas vias de combate ao crime -- social e policial – devem não só operar simultaneamente, mas se integrar. Devem-se estabelecer estratégias de prevenção e de ação. A sociedade precisa sim de mais escolas, mais centros esportivos, mais hospitais, melhores professores, melhores médicos, melhores salários, mas precisa também de policiais bem treinados e com maior poder de ação na luta contra o crime.

O cidadão quer voltar a acreditar em uma polícia justa e eficiente, e em um governo livre de membros envolvidos com o tráfico de drogas. Mas, para isso é fundamental uma polícia séria, transparente, inteiramente submissa ao Estado, não conivente com o crime, e com amplo poder de atuação. Mas, falta vontade política, porque as reformas a serem implementadas são vistas como impopulares e trabalhosas. E, a sociedade civil não conseguirá acabar com a violência sozinha. O Estado está provando que também não. A verdade é que Estado e sociedade civil precisam trabalhar juntos no caminho para a paz.


Referência

Rodrigues, Alexandre & Vieira, Márcia. A População entre a Polícia e o Trafíco. O Estado de São Paulo, SP, 03/06/2007.