domingo, 23 de agosto de 2009

A política externa de Obama em perspectiva: diálogo estratégico com a China.

por Diogo Ramos Coelho

No dia 01 de Abril de 2009, o presidente Obama e o presidente Hu Jintao reuniram-se à margem da cúpula do G20 em Londres. Os dois chefes de Estado, na ocasião, decidiram estabelecer o “U.S.–China Strategic and Economic Dialogue” para aprofundar as discussões e a cooperação sobre diversos assuntos de interesse comum, da nuclearização da Coréia do Norte à crise financeira. A Secretária de Estado Hillary Clinton e o Conselheiro de Estado Dai Bingguo ficaram responsáveis por presidir a parte “estratégica” do diálogo, enquanto o Secretário do Tesouro Timothy Geithner e o Vice Premier Wang Qishan ficaram responsáveis pela parte “econômica”. Militares e outros oficiais de ambos governos também devem intensificar o contato e o intercâmbio de projetos e informações.

Obama encontra ampla – e relevante – base de apoio à iniciativa. Henry Kissinger  defendeu que as relações sino-americanas fossem levadas a “outro nível” e Zbigniew Brzezinski advogou a criação de um G2, grupo formado por EUA e China para articular políticas de combate à crise econômica, aos efeitos da mudança climática, além de procurar limitar a proliferação de armas de destruição em massa e até ajudar a resolver o conflito entre Israel e países árabes.[1] O aprofundamento das relações atende a uma constatação óbvia: tanto Washington como Pequim não conseguirão resolver seus problemas caso tentem agir sozinhos. A interdependência sino-americana atingiu níveis tão altos a ponto do professor de Harvard Niall Ferguson, entre outros analistas, recorrer continuamente ao termo “Chimérica” para caracterizá-la.

Chimérica é fruto das interações no nível sistêmico que resultaram na globalização. Não é um projeto político, deliberado e articulado. Foi um processo construído com base no crescimento do comércio, dos fluxos financeiros e, agora, da interdependência política entre os dois países. O crescimento chinês é, pois, fortemente dependente do acesso aos principais centros econômicos do mundo, em especial os EUA. A relação sino-americana foi uma das bases para o ciclo de expansão da economia internacional no início do século XXI. Reforçar a ordem econômica internacional é, portanto, do interesse dos dois países – e de todos os demais beneficiados dos altos níveis de crescimento observados nas décadas recentes.

No centro da atual crise financeira estão os desequilíbrios entre os EUA, com seu déficit na balança de pagamentos ultrapassando 1% do produto interno bruto mundial, e os países que o financiam: exportadores de petróleo, Japão e os países emergentes na Ásia.[2]  Entre estes, a relação China–EUA é a principal. São as elevadas reservas chinesas de dólar que financiam grande parte do déficit americano. A poupança chinesa foi um dos fatores que ajudou a manter em patamares baixos as taxas de juros nos EUA e, assim, estimulou a expansão da oferta de crédito. Da mesma forma, a China possui grande interesse em um dólar estável, já que a possível desvalorização da moeda americana diminuiria o valor das suas reservas. Ainda, o crescimento chinês está baseado em uma economia exportadora e na manutenção de alto superávit. Portanto, para fornecer soluções à atual crise, Chimérica – a parceria entre o grande poupador e o grande gastador – é a chave.

Os interesses comuns entre China e EUA, por outro lado, não estão restritos ao nível econômico. A China também desempenha papel fundamental na mitigação dos efeitos da mudança climática e possui grande influência estratégica em questões de segurança na Ásia. O clima, por exemplo, é uma das questões-chave da relação sino-americana. Apesar da China configurar hoje como o maior emissor de gás carbônico, percebeu-se, nos últimos anos, a grande vulnerabilidade chinesa aos efeitos da mudança climática. Grandes populações vivendo em terras baixas (em deltas de rios); dependência de combustíveis fósseis para sustentar o crescimento; vulnerabilidade ao derretimento das geleiras; alta poluição; e a ruim imagem de vilão climático favoreceram as correntes dentro da elite chinesa que demandavam maior engajamento global nos esforços de contenção dos danos ambientais. Ainda, a China é fundamental para controlar o regime de Kim Jong-il, estabilizar as disputas entre Índia e Paquistão, além de ser a principal potência para o equilíbrio estratégico na Ásia e ter grande peso nos regimes internacionais de segurança.

Demandar maiores ações conjuntas de Washington e Pequim atende, portanto, a uma lógica inegável. No entanto, a intensificação da parceria entre EUA e China poderá ser inibida pelo fato dos dois países possuírem interesses e valores distintos. Um dos principais obstáculos à cooperação efetiva é a diferença nas visões sobre soberania, sanções, intervenções humanitárias e transparência governamental. A necessidade de acesso de Pequim a recursos naturais e a mercados externos, aliado ao repetido mantra de não misturar negócios com política, choca-se com os esforços ocidentais para prevenir abusos humanitários e melhorar a governança nos países subdesenvolvidos – por exemplo, em países como Angola, Republica Democrática do Congo, Mianmar (ou Birmânia) e Sudão, onde empresas chinesas possuem grandes interesses. A dependência chinesa à exportação de petróleo também se mostrou um obstáculo para constranger o programa nuclear iraniano. A China opôs-se a maiores sanções econômicas ao Irã e restringiu os esforços da União Européia e dos EUA para controlar a saída de dinheiro iraniano por meio de bancos estrangeiros.

A cooperação em temas como controle de qualidade dos produtos e proteção ambiental é, ainda, dificultada pelo sistema político e econômico chinês. Pequim possui baixa capacidade em impor ações restritivas aos agentes locais, pois eles têm grandes incentivos em manter o status quo. Além disso, a falta de transparência e de accountability dificulta a implementação de leis que visam combater problemas como a mitigação da mudança climática. Políticas ambientais efetivas dependem, por exemplo, de transparência nos relatórios de emissão de gases e substâncias nocivas. A falta de transparência também pode dificultar as relações militares, uma vez que ações sigilosas podem levar a erros de análise e à falta de confiança. Na área econômica, os EUA insistem em mudanças na política monetária, abertura da economia e na proteção de direitos autorais. A China, em contraste, geralmente quer ser deixada livre de restrições para conduzir os negócios ao seu modo ou, ao menos, assegurar que a agenda das políticas de Washington não seja onerosa para Pequim.

Uma política de aproximação com a China deve ser cautelosa para não provocar descontentamentos e acusações mútuas. Deve, ainda, envolver outros países, como Japão, União Européia e outros Estados na Ásia. No entanto, é importante perceber que, independentemente da retórica de políticos e burocratas, os fatores sistêmicos operam por uma lógica própria – e a lógica da globalização favorece a interdependência. Dessa forma, melhor se os esforços políticos convirjam para aprofundar as tendências de integração. Uma parceria estratégica entre Washington e Pequim pode ainda soar distante e difícil. Porém, há intensos diálogos. Para que esse contato seja aprofundado, resta saber se maior flexibilização partirá do oeste ou do leste.



[1] ECONOMY, Elizabeth C.; SEGAL, Adam (2009). The G2 Mirage. Foreign Affairs, Maio/Junho de 2009.

[2] FERGUSON, Niall. Beyond the Age of Leverage: Alternative Cures for the Global Financial Crisis (2009). Disponível em: http://www.niallferguson.com/site/FERG/Templates/ArticleItem.aspx?pageid=203. Acesso em: 06 de junho de 2009.